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Greve na Justiça Eleitoral: STJ decreta o fim desse direito

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Por João Batista Moraes Vieira* - 17/08/12

Pode o STJ, conhecido como Tribunal da Cidadania, numa simples canetada acabar com um direito social historicamente conquistado a duras penas como muita luta e sangue derramado?

Sim, pode. Argumenta-se a necessidade da continuidade do serviço prestado à sociedade, mas se faz vista grossa quando os sindicatos sustentam que a greve é instrumento constitucional legítimo de reivindicação salarial.

A judicialização do direito de greve vem impondo derrotas sucessivas aos trabalhadores do setor público. A mais recente delas é a decisão de que deva ser mantido na Justiça Eleitoral 80% do quadro trabalhando. Ora, fazer greve apenas com 20% de servidores é o mesmo que não fazer greve. Esdrúxula e escatológica essa decisão cujo julgador deveria estar sob os efeitos de um dia de fúria contra os grevistas, no dia que assinou a decisão o carro oficial do ministro deve ter ficado preso no trânsito conturbado pela passeata dos grevistas na Esplanada dos Ministérios.

O drama de Kafka perde para o dos servidores da Justiça Eleitoral: esses estão agora condenados a ficar no silêncio, amordaçados, desmobilizados, assistindo à desvalorização da classe sem ter o sagrado direito de lutar, como se estivessem numa camisa de força. Estão também na situação parecida à do filme “Dormindo com o Inimigo”, pois os servidores caíram na santa inocência de acreditar que os dirigentes dos Tribunais fossem solidários à luta da categoria. Dividindo o mesmo teto com seus auxiliares, os magistrados a ferro e fogo decidem com injustiça contra a luta de seus próprios servidores que carregam nas costas e constroem diariamente a credibilidade institucional do Poder Judiciário Federal.

É severa demais, sem proporcionalidade, desarrazoada, a condenação aos servidores da Justiça Eleitoral que estão agora impedidos de brigar por aumento salarial por suas próprias mãos, ficando à mercê da vontade do Governo Federal, delegando a outrem o destino de suas famílias. Essa decisão é quase uma sentença de morte para os servidores da Justiça Eleitoral, agora pessoas desprovidas desse direito constitucional de lutar por melhorias de condições de trabalho e salariais, por incrível que possa parecer, algo não percebido pelo STJ, é com a greve feita pelos servidores é que se consolidou até agora a importância do Poder Judiciário Federal para a sociedade brasileira. É com as greves que se obtém a valorização da carreira, condições de trabalho mais dignas e a melhoria da prestação jurisdicional para toda a sociedade.

É verdade também que as decisões judiciais sobre o direito de greve vêm ocupando espaço que deveria ser do Legislativo que está até hoje em mora com a regulamentação da lei de greve no serviço público. Acontece que o Judiciário entrou no jogo do Executivo que, por sua vez, controla o Legislativo: o Governo Federal, que tem a chave do cofre, conta com as oportunas e convenientes decisões dos Tribunais.

E a orientação do Governo Dilma para seus assessores é de levantar a bola para o Judiciário, nada mais simples e fácil do que obter liminar que imponha restrições ao exercício do direito de greve de uma categoria do serviço público que luta contra o congelamento salarial de mais de seis anos.  

Por isso que não haverá tão cedo regulamentação específica do direito de greve do servidor público, melhor continuar do jeito que está, time que vem ganhando não se mexe, estratégia que vem dando certo não se muda, situação muito confortável ao Governo, quando a coisa apertar, chame os bombeiros, ou melhor, chame o Judiciário para pôr fim às greves.

Seria melhor o STJ dissesse logo com todas as letras dos seus acórdãos que os servidores da Justiça Eleitoral não podem fazer greve por realizar trabalhos superessenciais, prestam serviços mais relevantes do que médicos e policiais e que são agentes especialíssimos do Estado, mas nem por isso, todavia, devem necessariamente ser merecedores de receber salários proporcionais a essa tão importante missão de realizar com qualidade e preparo as eleições oficiais do País.

Com suas decisões de natureza conservadora, talvez resquícios da época em que a questão social era caso de polícia, o STJ, ao decretar o fim do direito de greve na Justiça Eleitoral, desfere um tiro no pé do Poder Judiciário Federal, sem a participação dos servidores do Eleitoral no movimento paredista corre-se o risco de enfraquecer o movimento reivindicatório, resultando em perdas salariais que consequentemente desestimularão o profissionalismo da carreira judiciária, perdendo com isso a própria Instituição que deixa de contar com servidores preparados e de alta qualidade técnica. Os salários pagos aos servidores do Judiciário Federal, em sua maioria, já não estão mais atraentes.

Se os Tribunais não querem que os servidores lutem com suas próprias forças para conquistar a reposição salarial da categoria, que então esses Tribunais, principalmente STF, STJ e TSE, façam o favor, em nome de seus servidores, de exigir do Poder Executivo Federal aprovação do PL 6613, projeto que trata do Plano de Cargos e Salários dos servidores do Judiciário Federal, que está parado, esse sim é que está em greve, no Congresso Nacional desde 2009.

Mas no tocante em exigir a imposição do orçamento do Judiciário Federal, os ministros deverão resolver o dilema se efetivamente são ministros do Judiciário Federal ou se são ministros do Executivo Federal, até agora mostraram uma subserviência e vassalagem sem precedentes ao Governo Dilma. Não aceitar de forma nenhuma que o orçamento do Judiciário de 2013 seja excluído da LOA, já é uma grande mudança de rumo. Caso haja mais uma vez o desrespeito à independência e autonomia do Judiciário Federal, cabe ao STF decidir judicialmente a questão, para isso basta que o Excelso julgue os mandados de segurança e de injunção impetrados pelos sindicatos, o primeiro versa sobre a obrigatoriedade de envio do orçamento do Judiciário ao Congresso Nacional e o segundo sobre a revisão anual dos vencimentos dos servidores.

*João Batista Moraes Vieira é analista judiciário do TRE-GO e presidente do Sinjufego (Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário Federal em Goiás.)

 

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Decisões do STJ visam suprimir direito de greve pelos servidores

Por José Ailton Pinto* – 07/08/12

O STJ, em recente decisão que suspendeu a liminar que garantia aos Servidores do TRT-6 – PE o direito de receber seus salários no período de greve, através do Ministro Ari Pargendler, decide que os julgados dos tribunais e juízes, em que se garante o recebimento de vencimentos durante a greve, só estimula a deflagração de movimentos grevistas, assim, tais decisões têm que ser combatidas para que os servidores se sintam acuados e amedrontados para que não se envolvam em movimento grevista. Ou seja, massacrando todo e qualquer vontade de greve do serviço público no país inteiro, pois a decisão do STF tem o cunho de reprimir a greve, evitando-se o efeito multiplicador que as decisões garantidores dos direitos dos servidores têm em favor do movimento legítimo de busca pelas melhorias de vencimentos que os servidores têm. É o que se entende da afirmação: 

“A postura adotada nas decisões ora em discussão de certo gera uma 'incerteza administrativa', que só estimula a deflagração de movimentos grevistas, isso em plena campanha salarial dos servidores do Poder Judiciário, como é fato notório.

A suspensão ora requerida, portanto, deve ser deferida também em face do potencial efeito multiplicador. 

Embora, o mais elementar do princípio da igualdade é que os iguais devem ser tratados igualmente na medida de sua igualdade. E que, embora a greve seja um instrumento de pressão tanto na iniciativa privada como no serviço público, não há como se igualar os dois setores, podendo, no máximo comparar. O Ministro iguala o serviço público ao setor privado. 

O STF decidiu pela aplicação da Lei de Greve do setor privado, no serviço público, mas com a ressalvo de que se aplique no que couber. Ou seja, não há como igualar o serviço público com o setor privado, pois no setor privado há a produção de bens e serviços que não serão consumidos durante a greve. Já no serviço público o serviço será prestado à população de uma forma ou de outra, não há, portanto prejuízo para os patrões. Mas o Ministro Ari Pargendler igualou o serviço público ao setor privado, conforme se depreende do trecho: 

“Sem o contrato de trabalho, o empregado não tem direito ao salário. Este é um dos elementos da lógica da greve no setor privado: o de que o empregado tem necessidade do salário para a sua subsistência e a da família. O outro elemento está na empresa: ela precisa dos empregados, sem os quais seus negócios entram em crise. A tensão entre esses interesses e carências se resolve, conforme a experiência tem demonstrado, por acordo em prazos relativamente breves. Ninguém, no nosso país, faz ou suporta indefinidamente uma greve no setor privado”. 

O STJ indica que a greve tem que ser breve. E realmente, no setor privado a greve é breve, pois, senão o patrão tem prejuízo. E no serviço público, mormente no Judiciário, em que o “patrão” é quem julga o empregado que está em greve, que prejuízo terá?

Infelizmente nos julgamentos nos Tribunais Superiores não encontramos a aplicação dos princípios básicos do direito. Encontramos, sim, decisões que se sustentam em interesses próprios. 

Se, conforme o STJ, a decisão pelo pagamento dos dias de greve incentiva a greve, o contrário, a decisão pelo desconto dos vencimentos, acaba com o direito de greve no serviço público. O que ocorre é que, embora o servidor não recebendo nos dias parados, quando retornar às atividades o serviço tem que ser colocado em dia. Assim, o servidor que entra em greve é penalizado duas vezes, com o desconto dos vencimentos e com a sobrecarga de serviço. 

Uma coisa é certa nas palavras do Ministro: “Em outros países, sindicatos fortes de empregados apóiam financeiramente seus filiados, e a greve assim pode perdurar. (SIC)”

 

Realmente, não temos sindicatos fortes. Mas não temos sindicatos fortes por que não temos servidores unidos.

 

Fonte: https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/MON?seq=23483932&formato=PDF 

*José Ailton Pinto é servidor da Justiça Federal e Coordenador Jurídico do Sindjufe-MS

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Big Brother Brasil – Uma análise da divulgação nominal dos salários dos servidores

Por Fábio Maroja Jales* - 13/08/12

Desde o começo dos tempos o ser humano tem especial interesse na vida de seus semelhantes. Nas pequenas cidades e vilas da Europa medieval todos sabiam e procuravam saber sobre tudo que acontecia sem qualquer limite legal ou moral para a preservação da intimidade das pessoas.

O tempo passou, o mundo mudou, as cidades cresceram e o direito e a moral se desenvolveram, mas o interesse pela vida alheia continua o mesmo. Basta olhar o sucesso de revistas e programas televisivos de fofoca. Porém, com a evolução do direito, nossa Constituição Federal assegura que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;” (art. 5º X da CF/88), mesmos valores que inspiram a garantia do sigilo de correspondência, dados e comunicações telefônicas (inciso XII do mesmo art. 5º).

Na esfera pública, de forma distinta, a privacidade não é regra e sim exceção. Isso porque o aparelho estatal pertence a todos, de forma que a população tem o direito de acesso às informações referentes aos seus inúmeros entes, órgãos e repartições.

A mesma Constituição Federal de 88, promulgada dentro de uma situação institucional de retorno ao Estado Democrático de Direito após anos de ditadura, também vislumbra o direito da população de receber de órgãos públicos informações de seu interesse particular ou que digam respeito ao interesse coletivo e geral (inciso XXXIII do mesmo artigo 5º). O comando constitucional foi finalmente regulamentado pela Lei 12.527 de novembro/2011, a chamada Lei da Informação, diploma legal que é um marco no aperfeiçoamento de nossa jovem democracia (que retornou há pouco mais de 20 anos), na medida em que confere transparência aos atos, contratos, despesas, enfim à gestão dos órgãos públicos.

Com base na interpretação que o CNJ deu ao Decreto 7.724/12 que regulamenta a Lei da Informação, os Tribunais estão divulgando em suas home-pages a remuneração dos servidores, inclusive com a menção expressa aos seus nomes.

Ora, não há dúvida no âmbito da jurisprudência do STF que os sigilos bancário e fiscal decorrem do inciso X do art. 5º da Constituição Federal, portanto, a movimentação financeira e o acervo patrimonial do servidor não podem ser divulgados ao público, acessíveis apenas às autoridades públicas de órgãos de controle ou de fiscalização. Assim, porque podem divulgar, para ciência pública, os rendimentos dos servidores que são a própria base do sigilo bancário e do sigilo fiscal?

O servidor público federal já é sujeito de severo sistema de controle de sua remuneração: Assessorias de Controle Interno do órgão, no caso dos Tribunais Federais, com auditagem mensal da folha salarial; Tribunal de Contas da União (Lei 8.730\93), com auditagem anual; Receita Federal do Brasil, com auditagem anual; e mais recentemente CSJT e CNJ, para não mencionar o controle amplo exercido pelo Ministério Público.

Apesar disso, não se pode desprezar a força do controle social nos salários do servidor público, decorrente da divulgação dessas informações na rede mundial de computadores. Certamente, ninguém duvida que a lupa da população é capaz de detectar anomalias que escapam ao controle dos citados órgãos estatais.

A supremacia do interesse público para a divulgação de dados de interesse geral não pode anular totalmente o direito à intimidade (sigilo do salário) como garantia individual também constitucional. Importante que se tente contrabalançar ambos os interesses de forma que o individual sofra menos restrições possíveis.

Nesse sentido, é perfeitamente exequível construir uma regra de harmonização para a divulgação pública dos salários dos servidores públicos, sem que se fulmine totalmente o seu direito à intimidade no aspecto econômico (salário). Pode, sim, ser criado mecanismo que permita a divulgação dos salários, cargos, funções comissionadas e demais vantagens, porém sem associá-los ao nome de seu titular e sim, por exemplo, a uma matrícula. Tal solução não retiraria a essência do controle pretendido pelo ordenamento jurídico, com a vantagem de não expor o servidor a simples atos de bisbilhotice ou curiosidade alheia, ou para achaques ou atos de violência pessoal ou patrimonial.

Não custa lembrar que não estamos na Dinamarca ou Suécia, onde a violência e a desigualdade social e salarial não representam riscos para o servidor ao expor seu salário na rede mundial de computadores sem qualquer restrição na vinculação ao seu nome.

A divulgação associada aos nomes dos respectivos titulares da remuneração, numa sociedade desigual como a brasileira, com grande número de desempregados, subempregados ou trabalhadores que percebem apenas o mínimo legal, bem longe do patamar de dignidade salarial alcançado pelos servidores do Poder Judiciário Federal, representa para estes não só uma violação dos incisos X e XII do art. 5º da Constituição Federal, como também um risco efetivo à sua segurança, além de exposição desnecessária à cupidez humana em bisbilhotar a vida alheia.

* Fábio Maroja Jales é coordenador executivo do Sintrajur-RN e analista judiciário do TRT-21.

 

 

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Comissão da Meia Verdade, ou a volta da “conciliação nacional” de Tancredo

Por Pedro Estevam da Rocha Pomar* - 27/09/11

Aos desavisados, pode ter parecido que a aprovação do PL 7.376/2010 pela Câmara dos Deputados, na noite de 21 de setembro, foi uma vitória da democracia. Afinal de contas, o projeto impôs uma derrota aos setores de extrema-direita representados por parlamentares como o ex-capitão Jair Bolsonaro. Afinal de contas, dirão os otimistas, conseguiu-se criar a Comissão Nacional da Verdade, antiga reivindicação de ex-presos políticos e de familiares de desaparecidos políticos.  

Ocorre que a Comissão Nacional da Verdade — na configuração em que foi aprovada e caso o Senado mantenha inalterado o texto do projeto — tende a resultar em mero embuste, um simulacro de investigação, tais as limitações que lhe foram impostas. Será preciso enorme pressão dos movimentos sociais para que ela represente qualquer avanço em relação ao que já se sabe dos crimes cometidos pela Ditadura Militar, e, particularmente, para que obtenha qualquer progresso em matéria de punição dos autores intelectuais e materiais das atrocidades praticadas pelos órgãos de repressão política. 

A verdade pura e simples é que o acordo mediante o qual o governo aceitou emendas do DEM, do PSDB e até do PPS, mas rejeitou sem apelação e sem remorsos as diversas emendas propostas pela esquerda e pelos movimentos sociais, é a renovação da transição conservadora de Tancredo Neves. O acordo que selou a “conciliação nacional”, celebrado nos estertores da Ditadura entre o líder do conservadorismo civil e a cúpula militar, foi preservado por Lula e acaba de ser repaginado e remoçado por Dilma Roussef. Os militares são intocáveis, não importa que crimes tenham cometido, e seus financiadores e ideólogos civis idem. 

Não foi por outra razão que o líder do DEM, deputado ACM Neto, subiu à tribuna ao final da sessão, minutos antes da votação decisiva, para elogiar “a boa fé e o espírito público” da presidenta da República. “O Democratas está pronto para votar, pronto para dizer sim à História do Brasil”, acrescentou gloriosamente. O deputado Duarte Nogueira, líder do PSDB, também comportou-se à altura da ocasião. Depois que o líder do governo, deputado Candido Vaccarezza, dispôs-se a incorporar uma emenda conjunta da deputada Luiza Erundina e do PSOL, Nogueira elegantemente pediu a palavra para objetar e declarar inaceitável o seu teor. Foi o que bastou para o líder do governo imediatamente recuar.  

Muito sintomático do tipo de acordo que se arquitetou, e do papel que se pretende reservar à Comissão Nacional da Verdade, foram as repetidas homenagens que ACM Neto, Vaccarezza e até o líder do PT, deputado Paulo Teixeira, prestaram ao ex-ministro Nelson Jobim e ao seu assessor José Genoíno. Estes dois personagens foram os leva-e-traz dos altos comandos das Forças Armadas nas “negociações” entre estas e o governo ao qual deveriam prestar obediência. O líder do governo foi mais longe em suas demonstrações de subserviência e chegou a agradecer expressamente aos comandantes militares. 

Na tribuna, o deputado Paulo Teixeira fraudou a história ao declarar que, “como todos sabem”, as violações ditatoriais “foram praticadas entre 1968 e 1980”! Portanto, não houve golpe militar nem qualquer atrocidade entre 1964 e 1968. Gregório Bezerra não foi arrastado seminu pelas ruas de Recife. Os militantes das ligas camponesas não foram executados pela repressão. Comunistas não foram presos e torturados na Bahia. O tenente-coronel aviador Alfeu de Alcântara Monteiro não foi assassinado na Base Aérea de Canoas, e o sargento Manoel Raimundo Soares não foi atirado, de mãos amarradas, nas águas do Guaíba. Nada disso. E, para arrematar, o líder do PT citou a boa tese de Tancredo: a “conciliação nacional”, a ser propiciada pela Comissão Nacional da Verdade.

O setor da esquerda que embarcou no acordo para manter viva a Ditadura acredita piamente que não é possível, nem desejável, avançar um milímetro em punições, porque a correlação de forças está dada, ad eternum, desde a transição. Nisso, consegue apequenar-se perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que, ao julgar o caso da Guerrilha do Araguaia, decretou que “as disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos” e que “são inadmissíveis as disposições de anistias, as disposições de prescrição e o estabelecimento de excludentes de responsabilidade, que pretendam impedir a investigação e punição dos responsáveis por graves violações dos direitos humanos, como tortura, as execuções sumárias, extrajudiciárias ou arbitrárias e os desaparecimentos forçados”.  

Mas qual será mesmo a finalidade da Comissão Nacional da Verdade, se contar com apenas sete membros, alguns dos quais poderão ser até militares; se não dispuser de autonomia financeira; se tiver de investigar quatro décadas em apenas dois anos; se for sujeita ao sigilo; e, finalmente, se não puder remeter suas conclusões ao Ministério Público e à Justiça, para que os autores dos crimes e atrocidades cometidos pela Ditadura Militar sejam julgados e processados na forma da lei? 

A resposta é uma só. Na visão desse setor que envergonha a memória dos heróis tombados na luta contra a Ditadura, ela foi assim enunciada pelo ex-ministro Nilmário Miranda: “O objetivo principal da Comissão da Verdade é produzir um relatório que seja base para os currículos escolares. Essa que é a grande novidade, nunca tivemos isso na história do Brasil”. 

*Pedro Pomar é Jornalista e editor da Revista Adusp (Associação dos Docentes da USP).

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Lei de Acesso à Informação Pública Fortalece os Sindicatos

Por João Batista Moraes Vieira* 16/05/12

Entra em vigor no dia 16 de maio de 2012, a Lei n. 12.527/2011 - a chamada Lei de Acesso à Informação Pública. É mais um instrumento que vem fortalecer a atuação do sindicato como agente social de controle externo dos atos administrativos. O novel reforça o que já está prescrito no art. 5º, inciso XXXIII, da Constituição Federal, endossando também o direito de certidão previsto na Lei n. 9.051/1995.

A legislação possui pontos importantes entre os quais se destacam a necessidade de fundamentar a negativa de acesso à informação solicitada, a fixação de prazo de 20 dias para resposta e a possibilidade de responsabilizar o agente público nos casos de recusa no fornecimento da informação requerida.

Estabelece ainda que o acesso à informação pública é a regra, e o sigilo, a exceção. A falta de fundamentação na negativa do acesso à informação e a banalização do sigilo para obter proveito pessoal ou de terceiro também são casos considerados como condutas ilícitas.

Aproximando muito de um Código de Processo da Informação, pois detalha procedimentos que vão desde a petição inicial até às instâncias recursais, a referida Lei de Acesso obriga os órgãos públicos a se estruturarem para facilitar a divulgação ao público das despesas administrativas, dos repasses orçamentários e dos trâmites licitatórios.

Avançada e moderna, a Lei coloca nas mãos do povo poderosa ferramenta capaz de exigir dos gestores melhor administração dos recursos públicos. Pode ser a luz no final do túnel para reduzir o alto grau de corrupção do Estado brasileiro. É comum dizer na gíria policial que bandido não gosta de claridade, preferindo os ralos fétidos e os corredores mal iluminados para prática de crimes. Afinal, os processos secretos, a falta de transparência são campos férteis onde germinam e crescem a erva daninha da corrupção, o sol da publicidade não agradam essas pragas.

*João Batista Moraes Vieira é presidente do Sinjufego, especialista em Direito do Estado e servidor do TRE-GO.

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Greve e salário

Jorge Luiz Souto Maior* - 17/06/10

A greve, porque provoca uma alteração no cotidiano, gera as mais diversas reações de contrariedade, sobretudo daqueles que, de certo modo, são atingidos por ela.

Boa parte da inteligência humana, por conseguinte, durante muito tempo foi voltada para limitar o exercício da greve. Com o necessário aprimoramento da estrutura democrática, chegou-se à concepção da greve como um direito dos trabalhadores. Mas, a mera consideração da greve como direito não é suficiente para que se compreenda a importância e o alcance social da greve, causando-lhe limites indevidos.

Não que direitos não possam ter limites, mas no caso da greve os limites impostos podem gerar a conseqüência paradoxal de impedir-lhe o efetivo exercício. O direito de greve, assim, pode ser negado pelo próprio direito.

A bem compreender, a greve não é um modo de solução de conflitos e sim uma forma pacífica de expressão do próprio conflito. Trata-se de um instrumento de pressão, legitimamente utilizado pelos empregados para a defesa de seus interesses.

Em uma democracia deve-se abarcar a possibilidade concreta de que os membros da sociedade, nos seus diversos segmentos, possam se organizar para serem ouvidos. A greve, sendo modo de expressão dos trabalhadores, é um mecanismo necessário para que a democracia atinja às relações de trabalho.

Na ordem jurídica atual conferiu-se aos trabalhadores, no choque de interesses com o empregador, o direito de buscarem melhores condições de trabalho, recriando, a partir da solução dada, a própria ordem jurídica. Um ato que ao olhar do direito civil tradicional seria considerado uma ilegalidade, pois conspira contra o direito posto, na esfera trabalhista, inserido no contexto do Direito Social, ganha ares de exercício regular do direito.

No Direito Social, ou melhor, na formação do Estado Social de Direito, os valores humanísticos desenvolvidos na experiência do convívio social foram incorporados ao direito como valores jurídicos de caráter genérico (direito à vida, por exemplo). O próprio ordenamento reconhece que essas expressões normativas de caráter genérico requerem concretização e isso somente pode se dar em hipóteses determinadas. Assim, quando o ordenamento jurídico trabalhista confere aos trabalhadores a possibilidade de se rebelarem contra o direito contratualmente posto, para reconstrução dos limites obrigacionais, não se está, propriamente, estabelecendo uma contradição dentro do sistema, que exporia o Direito do Trabalho à condição de um anti-direito, muito ao contrário, o que se permite é uma possibilidade concreta de se tornarem reais as "promessas" contidas nas fórmulas genéricas do Estado Social.

Pode-se imaginar que essa "luta" por melhores condições de trabalho seja mais uma questão sociológica que jurídica, pois a todas as pessoas, mesmo nas relações civis, é dada a liberdade para defenderem seus interesses e a partir daí firmarem relações jurídicas que atendem a tais interesses. A diferença é que no Direito do Trabalho essa "luta", ela própria, é garantida pelo direito, resultando na formação, institucional de um direito à luta pelo direito.

Interessante perceber, ainda, que a consagração pelo próprio direito da possibilidade de se reconstruir, em situações concretas, a ordem jurídica, representa um relevante fator de estabilização das relações sociais, pois permite sua constante evolução, evitando, assim, a solução mais comum quando os interesses, sobretudo econômicos, entram em conflito com o conteúdo obrigacional, fixado no contrato, que é a da cessação do vínculo, sendo de se destacar que no contexto coletivo mais amplo a impossibilidade de composição dos conflitos pode gerar o completo desajuste social.

Importante, também, destacar que a abrangência desse direito não se limita à reavaliação das normas contratuais estabelecidas. Integra-lhe, igualmente, a lacuna (o vazio), ou seja, o que não fora fixado em cláusulas específicas, já que o vazio não é apenas um nada, e sim a ocupação de um lugar daquilo que lá poderia estar. Trata-se de uma regulação específica, quando necessária, de um valor jurídico de caráter genérico.

Deve-se recordar, ainda, que o Estado Social, ao considerar os trabalhadores como classe e atraí-los, nessa configuração, para o contexto social, conferiu-lhes o direito de defenderem os seus interesses, o que se traduziu juridicamente como o princípio da constante melhoria da condição social e econômica da classe trabalhadora, que se insere no conceito mais amplo de justiça social e que representa a parcela mais importante do compromisso firmado pelos detentores do poder, no período pós segunda guerra mundial, de desenvolverem um capitalismo socialmente responsável.

É assim, portanto, que o Direito permite aos trabalhadores defenderem, por meio da greve, os interesses que considerarem relevantes para a melhoria da sua condição social e econômica até mesmo fora do contexto da esfera obrigacional com um empregador determinado.

A greve vista, pela ótica do Direito Social, conseqüentemente, é um instrumento a ser preservado. Ao direito não compete limitá-la e sim garantir que possa ser, efetivamente, exercida e a forma mais rudimentar de cumprir esse objetivo é não impor aos trabalhadores o sacrifício do próprio salário do qual dependem para sobreviver. O direito não pode meramente fixar os contornos de um jogo no qual quem pode mais chora menos. O que o direito deve fazer é permitir que o jogo seja jogado, atribuindo garantias aos trabalhadores para que o valor democrático possa ter um sentido real.

Oportuno registrar que muitas das pessoas que hoje abominam a greve não se recordam que as garantias jurídicas de natureza social que possuem, aposentadoria, auxílio-doença, licenças, férias, limitação da jornada de trabalho etc. etc. etc., além de direitos políticos como o voto e a representação democrática das instituições públicas advieram da organização e da reivindicação dos movimentos operários.

Negar aos trabalhadores o direito ao salário quando estiverem exercendo o direito de greve equivale, na prática, a negar-lhes o direito de exercer o direito de greve, e isto não é um mal apenas para os trabalhadores, mas para a democracia e para a configuração do Estado Social de Direito do qual tantos nos orgulhamos!

Conforme Ementa, da lavra de Rafael da Silva Marques, aprovada no Congresso Nacional de Magistrados Trabalhistas, realizado em abril/maio de 2010: "não são permitidos os descontos dos dias parados no caso de greve,salvo quando ela é declarada ilegal. A expressão suspender, existente no artigo 7 da lei 7.783/89, em razão do que preceitua o artigo 9º. da CF/88, deve ser entendida como interromper,  sob pena de inconstitucionalidade, pela limitação de um direito fundamental não-autorizada pela Constituição federal".

Ora, se a greve é um direito fundamental não se pode conceber que o seu exercício implique o sacrifício de outro direito fundamental, o da própria sobrevivência. Lembrando-se que a greve traduz a própria experiência democrática da sociedade capitalista, não se apresenta honesto impor um sofrimento aos trabalhadores que lutam por todos, que, direta ou indiretamente, se beneficiam dos efeitos da greve.

É importante destacar esse aspecto da contrariedade pessoal que se possa ter em face das greves (que é, como dito, totalmente injustificável), pois é, afinal, essa visão negativa da greve, advinda de preocupações individualistas, que motivam as interpretações limitadoras do direito de greve.

Para negar aos trabalhadores o direito ao recebimento de salário no período em que exercem o direito de greve escora-se em previsão contida na Lei n. 7.789/89, que assim dispõe:

"Artigo 7º - Observadas as condições previstas nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho."

Imagina-se que este dispositivo tenha retirado dos trabalhadores o direito de recebimento de salário durante o período da greve, mas de fato, vale reparar, não há disposição expressa neste sentido. Esse, ademais, é o primeiro dado a ser observado, pois a perda do salário só se justifica em caso de falta não justificada e é mais que evidente que a falta de trabalho, decorrente do exercício do direito de greve, está mais que justificada, pois, afinal, a greve é um direito do trabalhador.

Cumpre verificar, também, que quando o trabalhador está exercendo o direito de greve sequer se pode falar em "falta ao trabalho", pois a greve pressupõe ausência de trabalho e não ausência ao trabalho. Os trabalhadores em greve comparecem ao local de trabalho – ou próximo a ele – para fazerem suas manifestações e reivindicações. É interessante perceber que em alguns locais de trabalho a experiência humana, dos pontos de vista cultural, acadêmico, político e democrático, é muito mais intensa nos períodos de greve, quando se deixa de lado o trabalho burocratizado, mecanizado, e se estabelece um debate aberto sobre a própria estrutura na qual o trabalho se insere.

Acrescente-se que legalmente falando não há diferença entre interrupção e suspensão do contrato de trabalho, embora a doutrina tenha criado essa diferenciação em razão da

expressão trazida como denominação do Capítulo IV da CLT: "Da Suspensão e da Interrupção".

O fato é que embora o nome do Capítulo seja este, a própria CLT não definiu as figuras em questão. Por esforço classificatório, a doutrina nacional tratou de separar as hipóteses. Mas, sem o pressuposto de uma definição legal, formou-se na doutrina uma divergência a respeito do assunto, pois para alguns a suspensão seria caracterizada pela ausência total de efeitos jurídicos[1] enquanto que para outros a produção de alguns efeitos não a descaracterizaria[2]. Para estes últimos, o elemento diferenciador seria apenas o recebimento, ou não, do salário, com a conseqüente contagem do tempo de serviço.

Na verdade, a discussão acadêmica acerca do melhor critério para separar interrupção e suspensão tem pouca ou nenhuma importância, pois os efeitos jurídicos atribuídos a cada situação devem ser determinados na lei.

Assim, quando a Lei n. 7.783/89 traz a expressão suspensão não se pode atribuir a ele os efeitos jurídicos postos por uma classificação de caráter doutrinário, que sequer se apresenta de forma unânime.

Do ponto de vista da doutrina estrangeira, por exemplo, não se tem essa diferenciação. Todas as hipóteses em que não há prestação de serviço por parte do empregado e se mantém vigente a relação de emprego são tratadas como suspensão[3] [4] [5.

Orlando Gomes e Élson Gottschalk, por exemplo, também tratam as hipóteses como sendo apenas de suspensão, subdivididas em suspensão total e suspensão parcial: "Entre nós, a Consolidação no Título IV, Capítulo IV, trata da Suspensão e da Interrupção do contrato de trabalho, e grande parte da doutrina, seguindo esta distinção, entende que como suspensão se deve encarar a total paralisação dos efeitos do contrato de trabalho, e como interrupção, procura-se explicar, compreende-se a manutenção de alguns efeitos e a paralisação de outros. Trata-se de técnica peculiar apenas ao direito pátrio, sem correspondência no direito alienígena, e que, em verdade, se trata de mais uma terminologia ineficaz para substituir a suspensão parcial do contrato, cujo vinculo júris não se rompe nem se interrompe com ocorrências de determinadas causas, que apenas suspendem temporariamente a relação de emprego."[6]

Ao manterem a distinção, embora com outra nomenclatura, os autores mencionados buscam fixar um critério para identificá-la: "A suspensão pode ser total ou parcial. Dá-se, totalmente quando as duas obrigações fundamentais, a de prestar o serviço e a de pagar o salário, se tornam reciprocamente inexigíveis. Há suspensão parcial quando o empregado não trabalha e, não obstante, faz jus ao salário."[7].

Nestes termos, do ponto de vista terminológico, com base na doutrina de Orlando Gomes e Élson Gottschalk, a suspensão da relação de emprego, sendo parcial, pode implicar a obrigação do pagamento de salário.

O que importa, unicamente, é saber o que a lei considera suspensão da relação de emprego e quais efeitos jurídicos são por ela, a lei, mantidos vigentes durante o período correspondente, sabendo-se que o efeito da manutenção da relação de emprego está sempre presente, pois, afinal, é este efeito que diferencia a situação de outra que lhe é, esta sim, concretamente avessa, que é a cessação da relação de emprego.

Arnaldo Süssekind comentando a origem da distinção, que se espelhou nas experiências do direito comparado, que se utiliza, no entanto, das figuras da suspensão total ou parcial, dá o relato de uma tese apresentada à Universidade de Brasília, por Sebastião Machado Filho, que, igualmente, já havia refutado tanto a nomenclatura quanto a distinção adotadas pela Consolidação das Leis do Trabalho, "sustentando que se verifica, apenas a 'suspensão da prestação de execução de serviço'."[8]

No tema pertinente à suspensão da relação de emprego, o que importa é, portanto, verificar quais os efeitos obrigacionais são fixados por lei. Não cabe à doutrina dizê-lo. E, de fato, no caso da greve cumpre reparar que a lei nada estabeleceu sobre os efeitos obrigacionais. Apenas restou dito que "a greve suspende o contrato de trabalho". Ora, se o legislador não fixou diferença entre suspensão e interrupção e, ademais, considerando o pressuposto da experiência jurídica estrangeira, trouxe essa forma de nominação fora de um parâmetro técnico, não se pode dizer que quando, em lei especial, referiu-se apenas à suspensão tenha acatado a classificação feita pela doutrina, que, ademais, como dito, não é unânime quando aos critérios de separação entre hipóteses de suspensão e interrupção. Do ponto de vista doutrinário, é mais correto dizer que a lei de greve corrigiu uma incoerência nominativa trazida na CLT, nada mais que isso.

Aliás, não pode mesmo ser outra a conclusão, considerando o que diz, na seqüência, a referida Lei n. 7.783/89: "...devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho." – grifou-se

Ora, o que diz a lei é que os efeitos obrigacionais não estão fixados pela lei. Assim, não pode o empregador, unilateralmente, dizer que está desobrigado de pagar salários durante a greve, pois não terá base legal nenhuma a embasá-lo.

E, como se está procurando demonstrar, o direito do recebimento de salário é um efeito obrigacional inegável na medida em que, por lei, o não recebimento de salário somente decorre de falta injustificada ao serviço, ao que, por óbvio, não se equipara a ausência de trabalho em virtude do exercício do direito de greve. É evidente que o exercício de um direito fundamental, o da greve, não pode significar o sacrifício de outro direito fundamental, o do recebimento de salário.

A interpretação extensiva dos termos da lei, implicando na negativa ao direito de recebimento de salários, é imprópria mesmo sob o prisma das técnicas de interpretação do direito comum, quando mais em se tratando de um direito social. É evidente que a preocupação do legislador, ao dizer que a greve "suspende o contrato de trabalho", foi a de dar ênfase à preservação da relação de emprego, evitando que o empregador considerasse os dias parados como faltas ao trabalho e propugnasse pela cessação dos vínculos jurídicos. É o que consta, ademais, com todas as letras no parágrafo único do artigo 7º., da lei em questão: "É vedada a rescisão de contrato de trabalho durante a greve, bem como a contratação de trabalhadores substitutos, exceto na ocorrência das hipóteses previstas nos artigos 9º e 14."

Interessante observar que essas garantias legais para o exercício do direito de greve não se dão sem uma contrapartida. O artigo 9º. determina que "Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou diretamente com o empregador, manterá em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento." – grifou-se

Assim, a greve, como instituto jurídico de natureza coletiva, deve se realizar de modo a não gerar dano irreparável ao empregador do ponto de vista de seu maquinário. Essa situação elimina, por completo, a visão individualista que ainda insiste em assombrar a greve e mesmo a conclusão de que o salário não é devido durante o período de parada. Ora, quem deve definir como esses serviços serão executados, conforme dispõe a lei, é o sindicato (ou a comissão de negociação), mediante acordo com a entidade patronal ou diretamente com o empregador. Não será, portanto, o empregador, sozinho, que deliberará a respeito junto com os denominados empregados "fura-greves". A manutenção das atividades do empregador, com incentivos pessoais a um pequeno número de empregados, que, individualmente, resolvem trabalhar em vez de respeitar a deliberação coletiva dos trabalhadores, constitui uma ilegalidade, uma frustração fraudulenta ao exercício legítimo do direito de greve.

Neste sentido, não se pode opor, no ambiente de trabalho, o direito liberal, de ir e vir, perante o direito de greve, cuja deflagração se deu coletivamente. A lei, ademais, é clara quanto ao aspecto de que a continuação das atividades inadiáveis do empregador deve ser definida em negociação com o sindicato ou a comissão de negociação.

Dentro deste contexto, a atuação dos trabalhadores em greve de impedir, pacificamente, que os "fura-greves" adentrem o local de trabalho, ou seja, a realização do conhecido "piquete", constitui parte essencial do exercício do direito de greve. Neste aspecto, ademais, falham os sindicatos ao não levarem ao Judiciário, a fim de obterem uma tutela jurisdicional a respeito, a questão pertinente à continuidade das atividades do empregador durante a greve sem a devida negociação com os sindicatos.

Votando ao problema do salário, veja-se que o dispositivo do art. 9º constitui uma pá de cal na argumentação contrária à que se expressa neste texto. Ora, se todos os trabalhadores, manifestando sua vontade individual, deliberam entrar em greve, o sindicato, como ente organizador do movimento, deve, segundo os termos da lei, organizar a forma de execução das atividades inadiáveis do empregador. Para tanto, deverá indicar os trabalhadores que realizarão os serviços, os quais, mesmo tendo aderido à greve, terão que trabalhar. Prevalecendo a interpretação de que a greve representa a ausência da obrigação de pagar salário, de duas uma, ou estes trabalhadores, que apesar de estarem em greve e que trabalham por determinação legal, não recebem também seus salários mesmo exercendo trabalho, ou em os recebendo cria-se uma discriminação odiosa entre os diversos trabalhadores em greve.

Dito de forma mais clara, se todos os trabalhadores do setor de manutenção resolvem aderir à greve, por determinação legal estarão obrigados a realizar serviços inadiáveis. Definirão, então, entre si quais os trabalhadores farão os serviços e mesmo poderão deliberar a realização de um revezamento para a execução de tais serviços. É claro que não se poderá criar entre os que estarão trabalhando, por deliberação também coletiva, uma diferenciação jurídica acerca do direito ao recebimento, ou não, de salários.

Veja-se o que se passa, igualmente, nas denominadas atividades essenciais. O artigo 11 da lei de greve dispõe que "Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade", acrescentando o parágrafo único do mesmo artigo que "São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população".

Ora, se cumpre aos trabalhadores em greve manter os serviços essenciais, é natural que, pelo princípio da isonomia, não se crie uma diferenciação entre os empregados que estão trabalhando por determinação legal, para atender as atividades inadiáveis da comunidade, e os que não estão trabalhando, ainda mais porque a deliberação acerca de quem deve trabalhar no período da greve não é uma decisão individual e sim coletiva, como estabelece a própria lei.

Neste sentido, repita-se: a decisão de trabalhar, ou não, no período de greve não pertence a cada trabalhador, individualmente considerado, daí porque, também, se torna legítima toda forma, pacífica, de impedir que o trabalho, para além das necessidades inadiáveis, continuem sendo executados, seja por vontade individual de um trabalhador, seja pela contratação, por parte do empregador, de empregados para a execução dos serviços, não se admitindo até mesmo que empregados de outras categorias, como terceirizados, por exemplo, supram as eventuais necessidades de mera produção dos empregadores no período.

Assim, piquetes e até ocupações pacíficas do local de trabalho se justificam para que se faça prevalecer, em concreto, o legítimo e efetivo exercício do direito de greve.

Nunca é demais lembrar que os efeitos benéficos da negociação advinda da greve atingirão a todos os trabalhadores, indistintamente, e não apenas àqueles que de fato levaram adiante a luta pela conquista de melhores condições de trabalho.

Interessante perceber, também, que o ato da paralisação do trabalho, a greve propriamente dita, porque aparece publicamente, acaba fazendo crer que os trabalhadores cometem uma agressão contra o empregador e mesmo contra a sociedade ao executá-la. Mas, pouco se percebe que para chegarem à greve os trabalhadores já foram alvo de intensa violência, embora velada.

Essa inversão de análise, aliás, vem imperando em nossa realidade, em diversos aspectos, chegando ao ponto de motivar a consideração de que direitos trabalhistas são privilégios e que cumpre a sociedade reprimir os grevistas, segundo tem proposto o atual reitor da Universidade de São Paulo, como se os trabalhadores não fossem, também eles, integrantes dessa mesma sociedade.

Recentemente, a Presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª. Região, nos "considerandos" do Ofício n. 306/2010-DGCA, definiu a greve como um "direito dos cidadãos" e buscou ver na lei de greve uma espécie de regulação da defesa dos interesses da sociedade em face dos grevistas. E, como ameaça à realização da greve por parte dos servidores chegou mesmo a sugerir que a demora da prestação jurisdicional seria culpa dos servidores, que estariam desrespeitando o "interesse público". Determinou, assim, o corte dos salários dos servidores em greve como forma de punição pelo sacrifício imposto ao "público jurisdicionado", que teria ficado "frustrado em sua expectativa de solução breve de suas lides trabalhistas", integradas por créditos, em sua maioria, "de caráter alimentar", como se o salário dos servidores, cujo corte fora determinado, não fosse da mesma natureza.

De um direito, a greve se tornou, por si, mesmo sem avaliação do conteúdo das reivindicações, um ato ilícito, e, pior, segundo posicionamento advindo do interior da própria instituição criada para a defesa dos direitos dos trabalhadores, a Justiça do Trabalho. E, na perspectiva dos trabalhadores, em vez de um direito, a greve se transforma em um ato de heroísmo ou ignorância, já que se põe em risco o próprio pescoço para lutar por outros que, por medo ou desprezo, não aderem ao movimento...

Interessante verificar que fora com base na lei de greve que a Presidência do Tribunal fixou, unilateralmente, quais seriam as atividades inadiáveis e o percentual de servidores (50%, em cada unidade) que deveriam permanecer trabalhando, contrariando, no entanto, frontalmente, os próprios termos da lei a que se refere, a qual, repita-se, determina que essa deliberação deve ser feita de "comum acordo" com os trabalhadores (art. 11).

O fato é que as ameaças econômicas, como represálias à adesão a atividades sindicais – e a greve é a principal delas – para intimidar e gerar medo nos trabalhadores, constituem atos anti-sindicais, tais como definidos na Convenção 98 da OIT (ratificada pelo Brasil, em 1952), que justificam, até, a apresentação de queixa junto ao Comitê de Liberdade Sindical da referida Organização.

A questão é muito simples e como tal deve ser encarada: a greve é um direito dos trabalhadores e para o efetivo exercício desse direito, conforme garantido pelo artigo 9º., da Constituição Federal, não se pode tolerar o desconto de salário dos dias parados, salvo a partir do momento em que a greve, sendo o caso, for declarada ilegal pelo Poder Judiciário, sendo de se destacar que esse é o efeito máximo que o Judiciário pode conferir à greve, ou seja, não cumpre ao Judiciário determinar que os trabalhadores voltem compulsoriamente ao trabalho. A estes, unicamente, caberá assumir os riscos referentes aos eventuais efeitos jurídicos pelas ausências ao trabalho que passam, aí sim, a ser injustificadas.

Cumpre lembrar que para a Organização Internacional do Trabalho sequer a solução judicial da greve é possível, cumprindo às partes, de comum acordo, buscarem o mecanismo de solução, a não ser nos casos de serviços essenciais, no sentido estrito do termo, quais sejam, "aquellos cuya interrupción podría poner en peligro la vida, la seguridad o la salud de la persona en toda o parte de la población", conforme definido no caso n. 1839, julgado pelo Comitê de Liberdade Sindical, tratando da greve dos petroleiros de 1995. Nunca é demais recordar que no mesmo caso em questão o governo brasileiro foi criticado pelas dispensas de 59 trabalhadores grevistas (que, posteriormente, acabaram sendo reintegrados) e pelas multas que o Tribunal Superior do Trabalho impôs ao sindicato em razão de não ter providenciado o retorno às atividades após a declaração da ilegalidade da greve.

Vale acrescentar que no que se refere aos servidores públicos, aos quais a Constituição brasileira assegurou o direito de greve, por tradição histórica, o não-desconto de salários em caso de greve se incorporou ao patrimônio jurídico dos servidores. Qualquer alteração neste sentido, portanto, além de ilegal, conforme acima demonstrado, representa um grave desrespeito aos princípios do não-retrocesso social e da condição mais benéfica, até porque as experiências democráticas no sentido da construção da cidadania devem evoluir e não retroceder.

Em suma: só há direito à greve com garantia plena à liberdade de reivindicação por parte dos trabalhadores, pois, afinal, os trabalhadores em greve estão no regular exercício de um direito, não se concebendo que o exercício desse direito seja fundamento para sacrificar o direito à própria sobrevivência, que se vincula ao efetivo recebimento de salário.

* Jorge Luiz Souto Maior é Juiz do Trabalho, titular da 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí e professor de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP

[1]. SÜSSEKIND, Arnaldo e outros. Instituições de Direito do Trabalho. 21ª ed. Vol. 1. São Paulo: Ltr, 2003, p. 281 e 301.

[2]. CATHARINO, José Martins. Contrato de emprego: comentários aos arts. 442/510 da CLT. 2a ed. Rio de Janeiro: Edições trabalhistas, 1965, p. 242; DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr. 2002. p. 1032.

[3]. CUEVA, Mário de La. Derecho Mexicano Del Trabajo. Tomo I. México: Porrua. 1960. p. 773.

[4]. TORRES, Guillermo Cabanellas de. Compendio de Derecho Laboral. 3ª ed. Tomo I. Buenos Aires: Heliasta. 1992. p. 848.

[5]. Embora mesmo nesta exista os que a adotam como BUEN L., Néstor de. Derecho del trabajo. 2ª ed. Tomo I. México: Porrúa. 1977. p. 541-542.

[6]. GOMES, Orlando e GOTTSCHALK Elson, Curso de Direito do Trabalho. Vol. I. Rio de Janeiro:Forense. 1981. p. 454.

[7]. GOMES, Orlando e GOTTSCHALK Elson, Curso de Direito do Trabalho. Vol. I. Rio de Janeiro:Forense. 1981. p. 454.

[8]. SÜSSEKIND, Arnaldo e outros. Instituições de Direito do Trabalho. 21ª ed. Vol. 1. São Paulo: Ltr. 2003. p. 490.

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Isonomia entre os chefes dos cartórios eleitorais e os servidores dos demais ramos do Poder Judiciário Federal e criação de cargos administrativos na Justiça Eleitoral

 

Por João Evódio Silva Cesário* - 05/05/10

O princípio da igualdade está consagrado em nosso sistema jurídico e integra a ordem constitucional desde a primeira constituição republicana, que em seu artigo 72, § 2º, rezava que "todos são iguais perante a lei", expressão que, a partir daí, constou do texto de todas as Cartas Magnas brasileiras.

A isonomia pode ser analisada sob dois aspectos distintos: o formal e o material.

Por igualdade formal entende-se aquela prevista nos textos legais e que consiste no fato de a lei não estabelecer diferenças entre os indivíduos. Situa-se, pois, num plano puramente normativo e formal, pretendendo conceder tratamento isonômico em todas as situações. Pode ser resumida na regra de tratar os iguais e os desiguais de forma sempre igual.

Noutro prisma, a igualdade pode ser avaliada sob o seu aspecto substancial ou material, que consiste em tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na exata medida de suas desigualdades, buscando realizar, dessa forma, o valor de Justiça. Assim,  as pessoas ou as situações são iguais ou desiguais de modo relativo, ou seja, sob certos aspectos. Reside aí, por exemplo, o fundamento das chamadas ações afirmativas. Esse tratamento dos desiguais de forma desigual, entretanto, deve estar pautado na medida do que seja razoável, proporcional e justificado.

A Constituição Federal Brasileira de 1988 estabelece o princípio da isonomia em seu art. 5º, caput, ao preconizar que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...).

O princípio sob análise é norteador do ordenamento jurídico, juntamente com os demais princípios constitucionais, que se complementam. Dessa forma, por força da supremacia do texto constitucional, todo o direito positivo infraconstitucional deve estar submetido a essa diretriz.

Já no plano supraconstitucional, temos no artigo 23, 2, da Declaração Universal dos Direitos Humanos a regra que dispõe que "todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual", verdadeiro jus cogens que vincula o Estado Brasileiro e que traduz o princípio da isonomia aplicado às relações de trabalho, expressão entendida em seu sentido amplo, dizendo respeito tanto à esfera particular quanto ao setor público.

Após essa breve introdução e passando-se a abordar, especificamente, o que diz respeito aos servidores públicos que exercem a função de chefe de cartório de Zona Eleitoral em todo o Brasil, constata-se que o princípio constitucional da isonomia não vem sendo observado sequer em seu aspecto formal quanto à retribuição pelo exercício da função, que possui igual nível de responsabilidade e semelhantes atribuições às dos Diretores de Secretaria da Justiça Federal e da Justiça do Trabalho, servidores que exercem cargos enquadrados como Cargos em Comissão (CJ) e que possuem responsabilidades e atribuições tão dignas e complexas quanto às dos chefes de cartório eleitoral.

No Brasil, existem atualmente cerca de 3.000 Zonas Eleitorais, o que representa, aproximadamente, 01 Zona Eleitoral para cada 02 municípios brasileiros, sendo a Justiça Eleitoral aquela que, muito embora não seja a maior em número de servidores efetivos ou em estrutura, possui maior ramificação e que está presente em um maior número de municípios, merecendo um tratamento condigno e isonômico quanto às condições de trabalho de seus servidores, comparando-se com a situação existente na Justiça do Trabalho e na Justiça Federal, outros ramos do mesmo Judiciário Federal.

Não obstante ser a Justiça Eleitoral tão federal quanto os demais ramos do Poder Judiciário Federal, frise-se, os servidores ocupantes das chefias dos cartórios são retribuídos com Função Comissionada de referência FC4 nas capitais e FC1 no interior dos Estados da Federação.

Fazendo-se um levantamento, constata-se que cada Vara Federal é criada com 20 cargos efetivos, 14 Funções Comissionadas e 01 Cargo em Comissão, conforme se depreende do texto da Lei 12.011, de 04 de agosto de 2.009.

Um exemplo para comparação com os cargos da Justiça do Trabalho pode ser extraído da Lei 10.770, de 21 de novembro de 2003, que criou, em média, para lotação em cada Vara do Trabalho, 14 cargos efetivos, 08 Funções Comissionadas e 01 Cargo em Comissão.

Sob o prisma substancial, o princípio da isonomia autorizaria, em tese, uma retribuição até maior para os servidores chefes de cartório, pois além das atribuições e responsabilidades semelhantes às dos diretores de secretaria dos outros órgãos do Judiciário, em razão da menor estrutura existente nos cartórios, da reduzida disponibilidade de recursos humanos e também em decorrência das atribuições expressamente previstas nos regimentos internos dos Tribunais Regionais Eleitorais, os chefes de cartório realizam cumulativamente as tarefas de secretário de audiência, assistente de juiz, oficial de justiça, administrador de fórum etc, serviços que são desempenhados por servidores distintos nos Tribunais e Varas Federais de outros ramos do Judiciário, todos com Funções Comissionadas mais elevadas que as atualmente designadas para os chefes de cartório.

Nessa esteira, situação ainda pior é a dos chefes de cartório lotados no interior, que sofrem dupla discriminação, pois são retribuídos com a FC1, menor função comissionada existente no Plano de Cargos e Salários do Judiciário Federal (Lei 11.416/2006), enquanto que os chefes lotados nas Capitais percebem a retribuição da função de referência FC4.

Na tramitação do projeto que deu origem à Lei 10.842/2004 (lei que criou um cargo de analista judiciário e outro de técnico judiciário em cada cartório eleitoral, dando inicio à lotação dos cartórios com servidores efetivos), verifica-se que não houve fundamento jurídico válido para inobservância do princípio da isonomia, que não foi respeitada, como visto, nem sequer entre os chefes de cartório do interior e da capital.

No relatório do projeto originário (PL 7493/2002) a Comissão de Trabalho de Administração e Serviço Público, por seu relator, justificou a desigualdade com os seguintes argumentos:

"Voto igualmente pela rejeição da emenda nº 2, uma vez que pretende eliminar a distinção, prevista no projeto, entre as funções comissionadas de Chefe de Cartório quando localizados nas capitais dos Estados e quando situados no interior. A elevação das 2.559 funções de nível FC-01 para FC-04, provocaria aumento de despesas, o que tenderia a colocar em risco o projeto como um todo. Entendo, por conseguinte, ser preferível rejeitar esse pleito, na presente ocasião, sem prejuízo de eventual novo exame da questão pelo Congresso nacional, caso o Tribunal Superior Eleitoral julgue conveniente submetê-lo no futuro." (Fonte: site da câmara dos deputados  www.camara.gov.br).

Constata-se que a razão para a rejeição da emenda que cuidava da igualdade de tratamento entre os chefes de cartório do interior e da capital fez menção tão somente a questões orçamentárias, buscando evitar um aumento de despesas, em detrimento do princípio da isonomia, sendo oportuno salientar que até o momento, mais de cinco anos após a edição da lei 10.842/2004, o Tribunal Superior Eleitoral não submeteu ao Poder Legislativo qualquer projeto de lei que implementasse a desejada equiparação.

Como já mencionado, o princípio da isonomia está constitucionalmente consagrado e foi inclusive reproduzido, no plano infraconstitucional, pela Lei 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais e que em seu artigo 41, § 4º, estatuiu:

"É assegurada a isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhadas do mesmo Poder, ou entre servidores dos três Poderes, ressalvadas as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de trabalho."

Depreende-se, assim, da Lei 8.112/90 a previsão de isonomia até mesmo para cargos assemelhados de Poderes distintos, não se sustentando, dessa forma, a discriminação existente entre atribuições iguais do mesmo Poder¸ que é a situação atualmente vivenciada pelos chefes de cartório eleitoral e demais servidores lotados em cartórios da Justiça Eleitoral.

Não cabem, no particular, as distinções decorrentes da exceção prevista na lei quanto à natureza ou ao local de trabalho, pois a função de chefe de cartório equivale ao cargo de diretor de secretaria da Justiça do Trabalho ou da Justiça Federal, sendo de mesma natureza, possuindo o mesmo grau de responsabilidade e com atribuições semelhantes. Ademais, nos outros ramos do Poder Judiciário Federal, ressalte-se, não há distinção entre servidores da capital ou do interior.

Ora, se a regra é a isonomia, a distinção prevista na lei quanto ao local de trabalho também deveria ser analisada e aplicada de forma excepcional, criteriosa e fundamentada, não bastando por si só a diversidade de local de trabalho, mas sobretudo deveriam ser objetivamente motivadas as razões que autorizassem a diferença de retribuição pelo exercício de um mesmo cargo, seja pela maior demanda de trabalho, pela maior responsabilidade existente em um local e em outro não, pela quantidade de atribuições de cada Zona Eleitoral, ou por outro critério objetivo e razoável, de maneira que se a localidade de trabalho fosse insistentemente considerada como aspecto relevante e autorizador da discriminação, o critério a ser utilizado deveria estabelecer parâmetros objetivos e justificáveis, não se prestando para o discrímen a pura e simples localização geográfica, como ora ocorre.

Assim, também não seria aplicável aos cartórios a discriminação decorrente pura e simplesmente em razão de os cartórios estarem localizados no interior ou nas capitais. Como exemplo, expõe-se a situação da Zona Eleitoral de Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco, que possui aproximadamente 120.000 eleitores e a chefia de cartório é enquadrada como FC-1, enquanto que existe Zona Eleitoral em Recife, PE, que tem aproximadamente 70.000 eleitores, conta com maior apoio da Secretaria do Tribunal, e a chefia possui a referência FC-4, apenas por estar na capital do Estado de Pernambuco.

No caso dos cartórios eleitorais, não há justificativa para a discriminação, mormente se consideramos que a FC1 com que se retribui os chefes de cartório do interior é a mais baixa existente e prevista na Lei 11.416/2006, não correspondendo ao grau de responsabilidade e atribuições que lhes são cometidas.

É oportuno destacar que o chefe de cartório da capital conta com o apoio direto dos diversos setores do Tribunal para muitas atividades (controle de contas de partidos e candidatos, arquivo, patrimônio, protocolo etc) e até mesmo parte do atendimento ao público é realizada pelas centrais de atendimento, o que em regra não ocorre no interior, que concentra todas as atividades. Assim, na verdade, os chefes do interior possuem atribuições em quantidade superior às dos chefes da capital.

Repise-se que se o princípio da isonomia fosse observado em seu aspecto material, muitos chefes de cartórios do interior, por força da mesma exceção do § 4° quanto ao local de trabalho, fariam jus exatamente a uma retribuição pecuniária maior, seja pelo labor em locais de difícil acesso e provimento, em alguns casos, seja pela quantidade maior de atribuições cometidas aos cartórios, que muitas vezes concentram toda a atividade administrativa e judiciária e ainda administram os fóruns das sedes próprias da Justiça Eleitoral que vêm sendo construídas em todo o Brasil, tarefas que nas capitais são exercidas, em grande parte, pelas Secretarias dos Tribunais.

Esse é um outro problema a ser debatido: muito embora venham sendo construídos diversos fóruns eleitorais em todo o país, a cúpula do Poder Judiciário não se ocupou em elaborar projeto de lei para criar nem sequer um único cargo para lotação na área administrativa de tais fóruns, de maneira que os chefes de cartório e demais servidores lotados nos cartórios são obrigados a acumular, em desvio de função, todas as atribuições administrativas que são próprias dos fóruns eleitorais, de forma totalmente improvisada e sem qualquer retribuição por mais esse mister, situação que merece a atenção da categoria.

Em algumas localidades, um único cartório do interior é responsável por vários municípios, com atribuições de gerenciamento do cadastro eleitoral, prestação de contas eleitorais e partidárias, recepção e processamento de listas de filiação partidária, preparação e realização das eleições, processamento de feitos diversos, manutenção predial, assistência a centrais de atendimento etc.

Voltando-se a questão da chefia de cartório, muito embora a natureza do cargo atualmente exercido seja semelhante à do diretor de secretaria da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal, também órgãos do Judiciário Federal como o é a Justiça Eleitoral, a União achou por bem retribuir o chefe de cartório eleitoral no interior do estado com a menor FC existente no ordenamento jurídico, não observando os princípios da legalidade, da isonomia, tampouco os da proporcionalidade e razoabilidade (art. 39 da CF e 41, § 4° da Lei 8.112/90).

Trazendo-se à tona, mais uma vez, a inevitável comparação com a Justiça Federal e a Justiça do Trabalho, verifica-se que nessas duas praticamente não existe mais a FC1, sendo a FC2 a mínima prevista (vide Leis 10.770/2003 e 12.011/2009) que é paga aos servidores que exercem atribuições de menor grau de responsabilidade dentro da organização dos Tribunais.

Exemplo que facilita a compreensão do quanto exposto diz respeito à função de motorista na Justiça Federal da Primeira Região, que é retribuída com FC2, ou à função de "chefe de núcleo" (nomenclatura utilizada no TRT da 5ª Região), que é retribuída, também, com FC2, no âmbito da Justiça do Trabalho. Os servidores que ocupam tais funções não têm sob sua subordinação nenhum outro servidor e não exercem atividades de direção ou gerenciamento, mas sim tarefas de menor complexidade, entretanto são retribuídos com uma remuneração superior a do chefe de cartório eleitoral lotado no interior do estado, que tem sob sua responsabilidade toda a atividade administrativa e judiciária do Cartório.

Para demonstração das discrepâncias, destaca-se, em seguida, excerto do Regulamento Geral da Secretaria do Tribunal Regional do Trabalho da Quinta Região, na parte que dispõe acerca da estrutura e das funções existentes na Vara do Trabalho, mostrando os níveis e a quantidade de funções:

"Art. 286. Cada Secretaria da Vara do Trabalho será dirigida por servidor do quadro efetivo de pessoal, ocupante de cargo de Diretor de Secretaria – CJ3, e contará com um (01) Diretor-Adjunto de Secretaria – FC5, que terá a atribuição de chefia e coordenação em nível auxiliar, podendo exercer a função de Subdiretor e de substituto, nos impedimentos legais e eventuais do Diretor.

Art. 287. Cada Secretaria da Vara do Trabalho tem a seguinte estrutura e funções comissionadas a ela vinculadas:

I. Gabinete de Juiz de Primeira Instância, chefiado por servidor com graduação em Direito, ocupante de função comissionada de Chefe de Gabinete – FC5;

II. Departamento de Audiência, chefiado por servidor ocupante de função comissionada de Chefe de Departamento – FC5;

III. Seção de Cálculo, chefiada por servidor ocupante de função comissionada de Chefe de Seção – FC4;

IV. Seção de Execução, chefiada por servidor ocupante de função comissionada de Chefe de Seção – FC4;

V. Seção de Notificação, chefiada por servidor ocupante de função comissionada de Chefe de Seção – FC4;

VI. Seção de Pagamento, chefiada por servidor ocupante de função comissionada de Chefe de Seção – FC4;

VII. Seção de Protocolo, chefiada por servidor ocupante de função comissionada de Chefe de Seção – FC4;

VIII. Núcleo de Expedição, chefiado por servidor ocupante de função comissionada de Chefe de Núcleo – FC2.

(...)

Art. 304. Compete ao Núcleo de Expedição:

I.  expedir as correspondências;

II. fazer a remessa de processos e cartas precatórias às diversas unidades;

III.juntar aos respectivos processos os Avisos de Recebimento (AR's) de correspondências expedidas e certificar a devolução das correspondências que não chegaram ao destino;

IV. receber e arrumar os processos distribuídos à Vara;

V.  preparar os processos para arquivamento;

VI. arquivar os processos ou encaminhá-los à Seção de Arquivo;

VII. executar outros atos e atividades afins." (grifos não originais)

(Fonte: site do TRT da 5ª Região:  http://www.trt05.gov.br/trt5new/areas/ddrh/REGULAMENTO%20novo.doc – acesso em 23/04/2007)

Comparando-se, agora, as atribuições do Diretor da Secretaria da Vara do Trabalho (CJ3) com as do chefe de cartório eleitoral, extraídas do Regulamento Geral da Secretaria do Tribunal Regional do Trabalho da Quinta Região e do Regimento Interno dos Cartórios Eleitorais da Justiça Eleitoral no Estado da Bahia (Resolução administrativa 07/2001, com redação alterada pela Resolução Administrativa 03/2006), respectivamente, tem-se:

"Art. 294. Compete à Diretoria da Secretaria da Vara do Trabalho:

I. planejar, dirigir, distribuir e supervisionar a execução dos trabalhos inerentes à Secretaria da Vara, promovendo o rápido andamento dos processos e a pronta realização dos atos e diligências ordenados;

II. informar à Secretaria de Coordenação Judiciária de Primeira Instância sobre a necessidade de atualização, ajustes e alteração do sistema de acompanhamento de processos ou de procedimentos próprios à Vara do Trabalho;

III. fiscalizar o cumprimento dos contratos celebrados pelo Tribunal com terceiros para fornecimento de serviços e material de consumo àquela Secretaria, nas localidades onde não haja Seção de Administração do Fórum;

IV. responder pela correta utilização e prestação de contas do Suprimento de Fundos solicitado ao Tribunal para as pequenas despesas;

V. submeter os expedientes diários a despacho do Juiz;

VI. examinar os processos nos quais existam diligências a serem cumpridas;

VII. organizar as pautas de audiência da Vara;

VIII. atender ao público e informá-lo sobre o andamento dos processos, bem como esclarecê-lo quanto a regulamentos, provimentos, portarias, resoluções e outras normas internas relacionadas com os trabalhos da Secretaria da Vara;

IX. solicitar à Presidência do Tribunal, quando necessário, a designação de Juiz Substituto;

X. exercer as demais atribuições inerentes ao cargo, bem como as que lhe forem determinadas pela autoridade competente."

(Fonte: site do TRT da 5ª Região:  http://www.trt05.gov.br/trt5new/areas/ddrh/REGULAMENTO%20novo.doc – acesso em 23/04/2007)

"Art. 37 Cabe ao chefe de cartório, mediante a adoção de medidas necessárias à implantação e fiel observância de normas e rotinas de trabalho:

I - zelar, sempre, pela ordem e presteza do serviço eleitoral;

II - atender ao público, com agilidade e cortesia;

III - planejar, coordenar, orientar e controlar as atividades relativas ao funcionamento do cartório, buscando a excelência e a melhoria do serviço eleitoral;

IV - executar e supervisionar os procedimentos relativos a alistamento, transferência, revisão, segunda via e atualização de situação de eleitor;

V - despachar regularmente com o juiz eleitoral, mantendo-o informado sobre as atividades desenvolvidas;

VI - manter-se atualizado acerca da legislação e demais normas, atos, resoluções e provimentos em matéria eleitoral, promovendo a sua execução;

VII - acessar, diariamente, a rede interna da Justiça Eleitoral (intranet) e o correio eletrônico institucional, dando ciência do conteúdo das mensagens recebidas ao juiz eleitoral;

VIII - fiscalizar a execução das tarefas destinadas aos servidores, o emprego do material de consumo e a utilização do material permanente, instalações e equipamentos;

IX - responsabilizar-se pela guarda e conservação dos bens permanentes e realizar o respectivo inventário anual;

X - controlar a emissão de título eleitoral e, em sendo o caso, controlar a daqueles que forem expedidos pelo órgão processador, bem como sua entrega aos eleitores, observando rigorosamente as determinações que a lei especificar;

XI - providenciar o levantamento e a requisição de formulários e etiquetas para o alistamento de eleitores, cuidando para que o estoque nunca fique abaixo de três por cento do eleitorado;

XII - zelar pelo fiel cumprimento da determinação de cobrança de multa eleitoral, providenciando, no prazo de cinco dias, a contar da apresentação do comprovante de recolhimento, o expediente, assinado pelo juiz, comunicando à Secretaria de Administração do Tribunal Superior Eleitoral a arrecadação da multa eleitoral, aplicada com base no art. 73, § 4º, da Lei nº 9.504/97;

XIII - responsabilizar-se pela instalação e desinstalação dos equipamentos e sistemas informatizados encaminhados pelo Tribunal Superior ou por este Tribunal, ressalvadas as situações em que a execução seja, em decorrência de fatores técnicos especiais, atribuição privativa da Secretaria de Informática do Tribunal;

XIV - cuidar para que não sejam instalados, nos equipamentos, softwares e sistemas estranhos aos da Justiça Eleitoral;

XV - responsabilizar-se pela remessa e o recebimento dos equipamentos encaminhados para manutenção ou providenciar a sua devolução quando determinado pelo Tribunal;

XVI - responsabilizar-se pelo cadastramento dos usuários dos sistemas instalados;

XVII - cumprir a rotina estabelecida para a geração de cópias de segurança dos sistemas da Justiça Eleitoral e demais arquivos existentes nos microcomputadores instalados no cartório;

XVIII - controlar, diariamente, a freqüência dos servidores do cartório, encaminhando-a para visto do juiz eleitoral;

XIX - organizar a escala de férias dos servidores com exercício na zona, submetendo-a à apreciação do juiz eleitoral;

XX - informar ao juiz eleitoral sobre a necessidade de adoção de horário extraordinário de serviço;

XXI - receber e conferir os documentos relativos a registro de candidatos nas eleições municipais;

XXII - executar e supervisionar os serviços necessários à realização dos pleitos eleitorais, sempre em estrito cumprimento às normas vigentes e determinações do juiz eleitoral;

XXIII - organizar e manter atualizado cadastro de todos os locais de votação e suas respectivas seções com os dados essenciais à sua identificação e funcionamento;

XXIV - vistoriar os locais de votação no que pertine (sic) ao estado geral de conservação, instalações elétricas e condições de acesso ao eleitor portador de necessidades especiais, por ocasião das eleições;

XXV - executar os serviços processuais do cartório;

XXVI - autuar, instruir e informar os feitos judiciais e administrativos, registrando-os em livro próprio, acompanhando a sua tramitação;

XXVII - executar e supervisionar o exame da regularidade das contas anuais dos órgãos partidários municipais, bem como a prestação de contas de campanha eleitoral dos candidatos e comitês financeiros, nas eleições municipais;

XXVIII - lavrar termos de audiência;

XXIX - cumprir as cartas de ordem e as precatórias, as diligências determinadas pelo juiz eleitoral, bem como expedir os mandados de citação, intimação e notificação;

XXX - expedir certidões relativas aos assentamentos e dados que constem no cartório e no cadastro eleitoral, podendo delegar a outro servidor tal atribuição;

XXXI - registrar as sentenças e demais decisões proferidas pelo juiz eleitoral, antes da intimação às partes e aos seus procuradores;

XXXII - lavrar editais, afixá-los em local próprio, certificando acerca da sua publicação;

XXXIII - promover o descarte de documentos e materiais, observando as normas específicas;

XXXIV - fiscalizar os contratos firmados pelo Tribunal, decorrentes de solicitação da zona eleitoral para aquisição de bens e serviços, atestando sua regularidade nas respectivas notas fiscais;

XXXV - executar e supervisionar a execução de procedimentos em urna eletrônica, quando determinado pelo Tribunal.

XXXVI - executar e supervisionar os procedimentos relativos à filiação partidária.

XXXVII - exercer outras atividades inerentes à função, que lhe forem atribuídas por autoridade competente e praticar os demais atos necessários ao bom desenvolvimento dos serviços eleitorais."

(Fonte: site do TRE da Bahia: http://intranet.tre-ba.gov.br/areas/sj/cojud/legislacao/normasinternas/Resolucoes/ResAdm-TRE-03-2006.doc – acesso em 24/04/2007)

Vê-se, então, de forma objetiva, que os chefes de cartório têm sob o seu encargo atribuições em número bastante superior àquelas dos Diretores de Secretaria de Vara do Trabalho, entretanto recebem as menores Funções Comissionadas previstas na Lei.

A situação que se apresenta atualmente na Justiça Eleitoral é que os chefes de cartório exercem, na prática, verdadeiros Cargos em Comissão (quanto à natureza das atribuições) "travestidos" em Funções Comissionadas, o que decorreu da redação dada à Lei 10.842, discriminação esta que se reputa inconstitucional.

Assim, competiria ao Tribunal Superior Eleitoral a elaboração de projeto de lei que alterasse a Lei 10.842/2004, de forma a garantir que os chefes de cartórios eleitorais tenham tratamento isonômico em relação aos servidores que exercem funções semelhantes nos outros ramos do Judiciário Federal, pois todos são vinculados ao mesmo Ente Federativo, a União, não se justificando o inconstitucional tratamento diferenciado que atualmente existe.

Como proposta, em obediência ao princípio da isonomia, deve ser encaminhado ao Congresso Nacional projeto que estabeleça a transformação da função e o enquadramento do chefe de cartório eleitoral como Cargo em Comissão CJ1, pelo menos, em todos os cartórios eleitorais do Brasil, sem qualquer distinção decorrente do local de trabalho, dando-se ênfase ao grau de responsabilidade e à natureza do cargo, salientando-se, por fim, que tramita no Tribunal Superior Eleitoral, a passos lentos, um procedimento administrativo que prevê a transformação da função de chefe de cartório para FC6, bem como a criação de uma FC1, em cada cartório eleitoral, devendo ser dada prioridade a essa luta pelos servidores do Judiciário Federal e do MPU, promovendo-se, assim, a igualdade de condições de trabalho e de remuneração aos servidores da Justiça Eleitoral, da mesma forma que deve ser encaminhado projeto criador de cargos efetivos para lotação na área administrativa dos fóruns eleitorais em todo o Brasil, estabelecendo-se o mesmo padrão de dignidade entre os servidores do Judiciário Federal.

* João Evódio Silva Cesário é Analista Judiciário no TRE da Bahia, lotado da 47ª Zona Eleitoral e coordenador jurídico do Sindjufe-BA.

 

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Uma rosa vermelha pela igualdade de gênero

Por Luciano Siqueira* - 08/03/2010

Quando se assinalam marcos da luta dos povos, como o Dia Internacional da Mulher, datado de ontem e que envolve um sem número de atividades durante todo o mês, no Brasil e no mundo, há uma tendência natural a se acentuarem as denúncias e as expressões de revolta. No Recife, em Olinda e em outras cidades pernambucanas, por exemplo, o destaque é a escalada de violência sexista que vitimou, de 1 de janeiro a 8 de março deste ano, setenta e três mulheres.

Nada mais justo. Entretanto, cabe igualmente comemorar as inúmeras conquistas obtidas pela mulher nas últimas três décadas em nosso país, nas mais diversas esferas da vida social. Os números são significativos – em relação ao mercado de trabalho, por exemplo, inclusive no que se refere à ocupação feminina de postos de mando em empresas privadas (mesmo que quantitativa e qualitativamente a balança ainda penda em favor dos homens).

Se no nascedouro da sociedade humana foi pela divisão do trabalho que se iniciou a desigualdade entre o homem e a mulher, como que num movimento em espiral, é novamente pelo trabalho – a mulher indo à luta pelo sustento da família – que toma corpo, objetivamente, uma nova prática social propiciadora da formação da consciência emancipacionista. Embora ainda tênue e circunscrita a limitadas parcelas da população, mesmo feminina. O que se reflete na presença feminina ainda tímida nos governos e nas casas legislativas e direções partidárias.

Isto se deve a que a opressão de gênero tem raízes culturais e ideológicas profundas, demanda uma luta permanente de idéias, recomenda a conquista de apoio junto a outra metade da população, formada pelo gênero masculino.

Daí porque, na modesta opinião deste feminista militante, nas ruas e nos auditórios, há que mesclar indignação com alegria, protesto com leveza. O ato singelo de ofertar uma rosa vermelha às mulheres com que convivemos, trabalhamos e lutamos no cotidiano de nossas vidas tem esse sentido, o de fundir amor e luta, luta e amor; razão e emoção.

A luta pela emancipação da mulher, uma das pedras de toque do avanço civilizatório, precisa ser encarada, como o próprio movimento revolucionário, como um imenso ato coletivo de amor.

* Luciano Siqueira é médico foi deputado estadual entre 1982 e 1986, presidente do PCdoB em Pernambuco de 1981 a 2000, eleito membro efetivo do Comitê Central desde o 6º Congresso em 1983. Atualmente é vice-prefeito de Recife.

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Nem recuos, nem precipitações na Confecom

 

Por Altamiro Borges* - 24/08/09

Chegou a hora da onça beber água no tenso processo de preparação da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), prevista inicialmente para ocorrer em dezembro. Já se sabia que esta batalha seria dura, truncada e cheia de armadilhas. Afinal, "pela primeira vez na história do país", como sempre repete o presidente Lula, a sociedade é chamada a discutir o papel dos meios de comunicação, um tema que adquiriu caráter estratégico na atualidade. O vespeiro é grande. É como tratar da reforma agrária, do fim do latifúndio da terra; neste caso, ainda mais complexo e grave, é a luta contra os latifundiários da mídia que está em jogo.

Os barões da mídia, que tanto falam em "liberdade de expressão", fizeram de tudo para sabotar a convocação da Confecom. Na seqüência, diante do fato consumado do decreto presidencial e das disputas entre as teles e os radiodifusores, eles resolveram se apoderar da comissão organizadora nacional da Confecom - composta por dez representantes do poder público, oito das entidades empresariais e oito da "sociedade civil". Eles tentaram restringir a pauta do evento, evitando os "temas sensíveis" que emparedam o monopólio midiático, e impor critérios antidemocráticos de representação e de votação (40% dos delegados e 60% de "quórum qualificado").

Governo se acovarda novamente
Frente à resistência dos movimentos sociais e de setores do próprio governo Lula, os barões da mídia arriscaram um lance ousado e habilidoso. Seis das oito entidades patronais, lideradas pela Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert), teleguiada pela Rede Globo, anunciaram sua retirada da comissão organizadora, mas não obrigatoriamente da Confecom. A jogada serviu para acovardar o governo, que passou a defender os critérios antidemocráticos de representação e de votação da Abert para viabilizar a presença empresarial. O clima esquentou. A última reunião da comissão organizadora não chegou a qualquer consenso e o regimento da conferência sequer foi publicado. Nova reunião ocorrerá na próxima semana (nesta semana).

Diante deste quadro embaçado, os movimentos sociais e as entidades que historicamente lutam pela democratização dos meios de comunicação estão diante de uma disjuntiva. Alguns setores se precipitam em afirmar que já aceitam a imposição draconiana, sem espernear nas negociações. Outros setores se apressam em anunciar que não participarão mais da Confecom, que tudo está perdido. Esta não é a melhor hora nem para recuos nem para bravatas. O momento exige firmeza de propósitos e flexibilidade tática para viabilizar uma conferência democrática e massiva. A Confecom é uma vitória histórica dos movimentos sociais, que não pode ser desperdiçada.

Forte pressão e nitidez de objetivos
É preciso colocar o governo na parede, fazendo com que assuma o ônus pelo recuo vergonhoso e desmascarando a postura autoritária e chantagista dos barões da mídia. Nenhuma entidade possui legitimidade para abdicar das exigências das bases, que rejeitaram os critérios antidemocráticos de representação dos empresários e suas tentativas de castrar o temário. Agora é necessária muita pressão para derrotar as manobras patronais e reverter a posição do governo. Toda negociação pressupõe pressão. Mesmo quem deseja a paz deve se preparar para a guerra. Qualquer recuo neste momento seria prejudicial e incompreensível. Ainda é possível obter alguns avanços.

Concluída a negociação, porém, os movimentos sociais deverão reavaliar sua postura. Qualquer bravata agora pode atrapalhar a reflexão madura no futuro, pode fomentar sectarismos estéreis que apenas servem para dividir o campo popular. Não se pode perder a referência do objetivo principal, que é o de garantir um processo amplo e pedagógico de debate na sociedade sobre o tema estratégico da democratização dos meios de comunicação. A Confecom não permite nem ilusões nem omissões. Ela não superará, de uma só vez, a ditadura da mídia - nem na Venezuela, Bolívia e Equador, que vivem processos mais radicalizados de lutas, esta façanha foi alcançada.

A Confecom é apenas o primeiro passo, de muitas batalhas que serão necessárias para se derrotar o monopólio e as manipulações da mídia. Neste sentido, ela cumpre principalmente um papel pedagógico, de envolvimento de amplos setores da sociedade neste debate estratégico - até então restrito a um reduzido e combativo núcleo de "especialistas". O resultado das negociações com o governo não deve ofuscar este objetivo maior. O momento agora é de pressão, não de recuos, no processo de negociação. Na sequência, os movimentos sociais avaliarão qual a forma unitária de avançar no processo de debate na sociedade contra a poderosa e chantagista ditadura midiática.

Publicado em  http://www.altamiro borges.blogspot. com/.

__.

*Altamiro Borges é jornalista, editor da revista Debate Sindical e autor dos livros "As encruzilhadas do sindicalismo" e "A Ditadura da Mídia".

 

 

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Conferência Nacional de Comunicação, antes tarde do que nunca

Por Laurindo Lalo Leal Filho* - 25/03/09

Bastou o governo confirmar a Conferência Nacional de Comunicação e a campanha contra começou. E a ordem veio de cima, bem de cima: da associação internacional dos donos da mídia no continente, conhecida pela sigla SIP (Sociedade Interamericana de Prensa).

No Brasil, comunicação sempre foi um não-assunto. Contam-se nos dedos os jornais que, em algum momento, abriram espaço para uma reflexão crítica a respeito do próprio trabalho. Para o rádio e a televisão dispensam-se os dedos, não há autocrítica. Se do conteúdo informativo pouco ou nada se fala, sobre as lutas de seus trabalhadores o silêncio é total. Lembro uma campanha salarial liderada pelo Sindicato dos Jornalistas do Paraná que espalhou outdoors por Curitiba com a frase "a nossa dor não sai nos jornais". Naquela época, anos 1980, as dores de outras categorias até apareciam em algumas páginas, menos a dos jornalistas.

E os jornalistas, além das suas dores e angústias profissionais, têm muito a falar sobre a sociedade e os meios de comunicação. Muito mais do que seus patrões permitem. Claro que há jornalistas e jornalistas, como lembrou em artigo exemplar nesta página Marcelo Salles. São, de um lado, os que estão comprometidos com as imprescindíveis e necessárias transformações sociais e, de outro, os ventríloquos dos que lhes pagam altos salários no fim do mês. A maioria ganha pouco, trabalha muito e tem que ficar quietinha cumprindo as pautas determinadas pelos interesses empresariais.

Essa divisão se já era bem nítida, agora escancarou-se diante da anunciada realização da Conferência Nacional de Comunicação, reivindicação histórica de vários setores da sociedade. Bastou o governo confirmar o evento, a campanha contra começou. E a ordem veio de cima, bem de cima: da associação internacional dos donos da mídia no continente, conhecida pela sigla SIP (Sociedade Interamericana de Prensa). A entidade se diz preocupada "porque os debates (na Conferência) serão conduzidos por ONGs e movimentos sociais que pretendem interferir no funcionamento da imprensa?. Expressão que pode ser traduzida pelo temor diante da possibilidade de um debate mais sério e aprofundado sobre o pensamento único imposto pelos grandes meios de comunicação aos nossos países. Afinal, debates como o proposto podem conduzir a ações práticas, capazes de impor limites a esse poder incontrolado.

Do lado patronal dificilmente sairia posição diferente, afinal estão defendendo interesses de classe seculares. O triste é constatar que enquanto centenas de trabalhadores da mídia mobilizam-se em todo o Brasil a favor da realização da Conferência, uns poucos jornalistas e radialistas, agem em sentido contrário. Caso emblemático é o de um âncora e de uma repórter da rádio CBN que usaram longos minutos da programação para ecoar pelo país as posições dos seus patrões. Usavam o velho procedimento dos comunicadores populares, decodificando para grandes audiências as concepções ideológicas de quem lhes paga os salários. Esbanjando informalidade, usando a ridicularização como arma, eles levam ao ouvinte as mesmas idéias que os jornais apresentam de forma mais elaborada, nos editoriais ou nas colunas dos seus articulistas. Colaboram, dessa forma, para popularizar as idéias da classe dominante tornando-as dominantes em toda a sociedade, como já notava aquele pensador do século 19, cada vez mais atual.

Mas há resistência. Rapidamente os sindicatos dos jornalistas do Distrito Federal e do Estado do Rio de Janeiro foram a público repudiar a posição da SIP e dos seus porta vozes nacionais. Os jornalistas do DF através de sua entidade perguntam "O que pretendem os grandes empresários da comunicação? Pressionar o governo para retirar o apoio à Conferência, facilitando assim a manutenção intacta dos oligopólios que dominam, e que manipulam a informação, em detrimento do interesse público". E os fluminenses afirmam: "A nossa entidade não pode silenciar diante do posicionamento pouco democrático manifestado pela SIP. É preciso deixar bem claro que o patronato mente quando diz que defende a liberdade de imprensa, pois está, isto sim, defendendo de fato a liberdade de empresa, que não aceita a ampliação dos espaços midiáticos a serem ocupados pelos mais amplos setores representativos do povo brasileiro, como são os movimentos sociais".

Apesar das pressões, não há dúvida que a Conferência vai sair. Pelos estados já se realizam conferências regionais preparatórias para o encontro nacional marcado para o começo de dezembro, em Brasília. Diante do fato irreversível, as entidades patronais tentam impor suas pautas ao debate. Segundo a Folha de S.Paulo, para Paulo Tonet, da Associação Nacional de Jornais, discutir monopólio e propriedade cruzada é um retrocesso. Para ele o tema tem que ser "conteúdo nacional e igualdade de tratamento regulatório". Mais uma frase que precisa tradução: ele quer dizer que a Conferência só deve tratar dos interesses das empresas de rádio e televisão, preocupadíssimas com a entrada no mercado de radiodifusão das operadoras de telecomunicações.

E parte para o sofisma ao chamar de retrocesso a discussão em torno do monopólio e da propriedade cruzada dos meios de comunicação, sem dúvida a maior chaga existente na comunicação social brasileira. Não há como democratizá-la sem que se enfrente com determinação esse obstáculo.

O tema geral da Conferência será "Comunicação: Direito e Cidadania na Era Digital". Amplo o suficiente para caber tudo. Daí a importância da mobilização nacional, necessária para impedir que os interesses empresarias da mídia se sobreponham aos da sociedade. Conferências de outros setores, como saúde, educação e direitos humanos, por exemplo, tem sido decisivas para o encaminhamento das respectivas políticas
públicas. A da comunicação não pode fugir à regra.

Fonte: Agência Carta Maior

* Laurindo Lalo Leal Filho é sociólogo, jornalista e professor de Jornalismo da ECA-USP e da Faculdade Cásper Líbero. É autor, entre outros, de "A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão" (Summus Editorial).

 

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A crise e as mentiras dos rentistas

Por Altamiro Borges* - 27/11/08

Apesar dos vários danos causados pelo livre fluxo de capitais, seus apologistas tentam apresentá-lo como algo natural, que sempre existiu. Alguns por ignorância, outros por medo e muitos por má-fé alardeiam a lorota como verdadeira.

Mas a história e as experiências recentes desmentem esta manipulação. Na verdade, após a II Guerra o que predominou no mundo foi a existência de regras para entrada e saída de capitais. Este modelo, ancorado na Conferência de Breton Woods, inclusive serviu para alavancar os ''30 anos gloriosos'' de crescimento do capitalismo mundial.

Conforme aponta o economista João Machado, ''o argumento de que a liberdade dos movimentos de capitais promove maior bem-estar não dispõe de fundamentação teórica coerente, nem de base empírica''. Com base nos ensinamentos da história, ele enfatiza que esta mistificação ideológica tem como ''objetivo derrotar, e se possível eliminar, as concepções keynesianas muito influentes até aos anos 70, e restaurar as condições da política econômica que vigoravam no fim do século XIX e no início do século XX... Este movimento antikeynesiano pelo regresso histórico é o que costuma ser chamado de neoliberalismo'' [1].

O crash e os "reformadores do capitalismo"

Até o início do século passado, o que prevalecia no mundo era o liberalismo econômico. A preocupação central dos governos era a de garantir plena liberdade do mercado, sem qualquer interferência do Estado. O desemprego, por exemplo, era visto como algo voluntário, associado à preguiça ou ao banditismo, não como efeito do capitalismo. ''Essa visão era parte da concepção geral liberal de que os mercados se auto-regulam da melhor maneira; a oferta cria, no global, sua própria demanda (Lei de Say), e o equilíbrio atingido a partir do mercado garante maior satisfação social possível (ótimo de Pareto)'', explica o autor.

Mas a eclosão das graves crises cíclicas do capitalismo, a explosão de conflitos e guerras e, em especial, o desenvolvimento da luta operária – que tem como ponto alto a revolução socialista na antiga Rússia - vão desalojar as teses liberais. A própria burguesia, temerosa, é obrigada a procurar alternativas mais estáveis. A publicação, em 1936, do livro Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro, do economista inglês John Maynard Keynes, terá influência teórica nesta mudança de rumo. Este ''reformador do capitalismo'' advertirá a burguesia de que a libertinagem do mercado colocava em perigo o seu sistema de exploração.

Keynes e a "eutanásia dos rentistas"

As propostas de Lorde Keynes, da intervenção ativa do Estado na economia, vão encontrar terreno fértil nos escombros da II Guerra Mundial. Elas serão vitoriosas na Conferência de Breton Woods, em julho de 1944, que cria o FMI. Os países signatários do acordo se comprometem a promover controles dos fluxos de capitais para evitar novos colapsos econômicos. Keynes inclusive prega a ''eutanásia dos rentistas''. Foi com base neste programa que os países capitalistas centrais ergueram seus Estados de Bem-Estar Social (Welfare State) e que as nações periféricas passaram pelas experiências do nacional-desenvolvimentismo.

Se o controle de capitais inexistia antes desta fase, a partir daí ele se generaliza pelo planeta. Os economistas Fernando Cardim e João Sicsú provam que estes mecanismos duraram mais de três décadas. ''Mesmo países desenvolvidos, como na Europa Ocidental, praticamente só vieram a eliminar as barreiras formais à circulação de capitais nos anos 1990. Muitos bloqueios, na verdade, permanecem, vários dos quais sob a forma de restrições regulatórias, mais do que barreiras explícitas'' [2]. Eles lembram que o próprio FMI não conseguiu remover do seu estatuto o Artigo VI, que legítima a adoção de controles.

A revanche do "deus-mercado"

Mas as idéias keynesianas começam a desmoronar com o agravamento da crise estrutural do capitalismo, a partir dos anos 70. A primeira experiência de libertinagem financeira foi implantada no Chile do ditador Augusto Pinochet. Anos mais tarde, o fim do controle de capitais virou moda nos EUA de Ronald Reagan e na Inglaterra de Margareth Thatcher. No final da década de 80, com o nefasto Consenso de Washington, ele é imposto a fórceps na maioria dos países. A débâcle do bloco soviético torna dispensável o ''capitalismo do medo'', conforme síntese de Eric Hobsbawm, e dá alento à revanche neoliberal da desregulamentação.

Nesta vingança do mercado, o FMI passa a impor, de forma ostensiva, a remoção de qualquer barreira ao capital. Já as agências de risco, através de seus relatórios terroristas, fazem deslavada chantagem contra os governos resistentes. A ofensiva neoliberal difunde o mito de que ''o dinheiro precisava de liberdade para se multiplicar. Era preciso chamar de autoritárias, e em seguida arrasar, todas as barreiras que a luta social havia construído para se defender contra a selvageria do capital: as leis de defesa do trabalho, o Estado de Bem-Estar Social, a proteção às empresas públicas, o controle das transações financeiras'' [3].

Herança maldita do neoliberalismo

A ditadura das finanças reina absoluta; a oligarquia financeira torna-se a fração hegemônica da burguesia. Só que o mundo dá voltas! Ao contrário do que havia prometido, o neoliberalismo não gerou crescimento nem estabilidade. Além de sacrificar a humanidade, ele não soluciona a crise estrutural do capitalismo. A partir dos anos 70, o mundo registra taxas anuais declinantes de crescimento do PIB; as enormes riquezas produzidas, impulsionadas pela ''revolução informacional'', são transferidas para a oligarquia financeira; e, para enterrar de vez o dogma liberal, as turbulências financeiras se expandem e ficam mais destrutivas!

Diante deste estrondoso fracasso, várias nações passaram a procurar caminhos alternativos. Os chamados ''países em desenvolvimento'' da Ásia, após o vendaval financeiro e cambial de 1997, tentaram superar sua vulnerabilidade externa. Através de diversos mecanismos, muitos voltaram a adotar medidas para disciplinar a entrada e a saída de capitais. No geral, eles hoje obtêm maior sucesso econômico e maior estabilidade do que os que aplicam o modelo neoliberal ou dos que se acomodam à ''herança maldita''.

O caso emblemático da Malásia

Num outro estudo de fôlego, Fernando Cardim e João Sicsú relatam vários casos de países que adotaram mecanismos de controle de fluxos. ''A crise asiática (97/98), seguida pela crise russa, pela brasileira e por várias outras acabaram por fazer o movimento liberalizante perder o fôlego, ainda que não o revertesse. A pressão pró-liberalização cedeu lugar à preocupação com requisitos necessários para a abertura financeira. O FMI passou a reconhecer que a manutenção de certos controles poderia ser tolerada'' [4]. Entre outras experiências, eles destacam o caso emblemático da Malásia, que abalou a crença no livre fluxo de capital.

Em setembro de 1998, diante do agravamento do colapso financeiro na Ásia, o governo da Malásia impôs uma série de medidas de controle da saída de capitais para defender sua moeda local – o ringgit. ''Quando foram adotadas as restrições, a comunidade financeira internacional prognosticou o seu rotundo fracasso... Não só previu seu goro como efetivamente agiu contra a Malásia. A despeito de previsões frustradas e das ações adversas dos liberalizantes, os controles foram muito bem sucedidos'', relatam. Barraram a fuga de capitais e a queda de reservas; com isso, o governo baixou os juros e estimulou crescimento econômico. ''A recuperação malaia foi impressionante''. O PIB cresceu 5,4% em 1999; 7,8% em 2000; e 7% em 2001.

O papel do Estado na China

Os autores também citam a China, onde as transações de capitais dependem de autorização do Estado; as operações financeiras com o exterior, de entrada ou de saída, são examinadas em detalhe. Outro exemplo é o do Índia, onde predomina o uso de restrições de natureza quantitativa e administrativa às transações de capitais. Mesmo em países ''amigáveis do mercado'' há restrições, como no Chile, onde são obrigatórios depósitos quando da entrada de capitais com forma de evitar a volatilidade. Diante destas experiências, que refutam totalmente as mentiras do capital financeiro, vale a indagação do jornalista Antonio Martins:

''China e Índia, que nunca abandonaram o controle sobre os capitais, são hoje sinônimos de crescimento econômico continuado. A proposta já chegou à América do Sul. Adotada no ano passado na Venezuela, foi um dos fatores que permitiu o início da sua recuperação econômica. Fortalecido, o Estado foi capaz de autorizar, no final de abril, um aumento de 30% no salário mínimo. Também a Argentina aderiu à idéia, desde o início de 2003. Todas as análises sérias sobre a retomada da sua produção (crescimento do PIB em torno de 7%) sustentam que ela só foi possível porque o governo rechaçou as políticas do FMI. O que pode impedir – a não ser uma visão abertamente dogmática – que o Brasil recorra a este remédio de efeitos comprovados?'' [5].

Notas

1- João Machado. ''Fluxos internacionais de capitais e alternativas de políticas econômicas e sociais''.
2- Fernando Cardim de Carvalho e João Sicsú. ''Controvérsias recentes sobre controle de capitais''.
3- ''Para o Brasil mudar de verdade''. Planeta, Porto Alegre.
4- Fernando Cardim e João Sicsú. ''Teoria e experiências de controles do fluxo de capitais: Focando o caso da Malásia''.
5- Antonio Martins. ''Alternativa ao caos''. Planeta, Porto Alegre.

* Altamiro Borges é jornalista, editor da revista Debate Sindical e autor do livro "As encruzilhadas do sindicalismo" (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).

 

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Menos Estado e má repartição da riqueza: as razões da crise global

Por Márcio Pochmann* – 27/11/08

A crise econômico-financeira mal iniciou e já produz resultados nefastos que podem superar os de 1929. Somente nos primeiros nove meses de 2008, as bolsas de valores sofreram baixas superiores a 25%, sendo que, para alguns países, com queda acima da verificada nos Estados Unidos e na Inglaterra durante a Depressão de 1929. Parece não terem sido ainda mais profundas por força de uma ampla coordenação mundial de intervenções governamentais, com transferências significativas de recursos públicos aos setores atingidos e com maior poder de pressão. Da mesma forma, prevalece uma intensa articulação política de países, como no caso do G-20, que busca novas brechas para a reversão dos equívocos provocados pela desregulamentação neoliberal e pelos artificiais avanços da financeirização sem fundamentação na produção de riqueza.

Desde o final da década de 1970, quando se tornou dominante a visão do Estado apresentado como obstáculo ao desenvolvimento, a liberalização da economia tomou força somente comparável ao ideário governamental do século 19. Naquela época de predomínio inglês, o capitalismo operava praticamente sem a presença de grandes empresas, apoiado na diversidade de micro e pequenos empreendimentos sem capacidade de impor seus preços a partir da somatória de custos mais margem de lucro. Bem diferente do que vem ocorrendo desde o último quartel do século 20, que demarca o longo processo de esvaziamento dos Estados Unidos enquanto centro dinâmico produtivo e financeiro do mundo. Assim como também aponta para a insuficiência da governança mundial operada a partir do sistema ONU (Organizações das Nações Unidas), por meio de agências multilaterais como Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, entre outras.

De um lado, o peso dos EUA na economia mundial reduziu-se significativamente, com a transferência de parcela do seu setor produtivo para outros países decorrentes da perda de competitividade das empresas e das políticas de enfraquecimento do Estado e do sistema de atenção à produção e emprego. Mesmo assim, os ideólogos do neoliberalismo continuaram a estimular a crença de que seria possível viver como país eternamente super rico num quadro geral de empobrecimento relativo, com consumo superior a 20% da capacidade anual de produção de bens e serviços e o endividamento 3,5 vezes maior que a renda nacional.

O próprio estopim da crise financeira terminou indicando o quanto a opção pela redução do Estado se mostrou inadequada para substituir as políticas sociais por forças exclusivas do mercado. No caso da habitação para os segmentos de baixa renda, por exemplo, o esvaziamento de políticas sociais específicas estimulou o setor privado americano a operar irresponsavelmente, emprestando em longo prazo a quem tinha oportunidade negada de acesso a empregos e remunerações decentes. A mesma situação se reproduziu às famílias levadas a acreditarem exclusivamente nos fundos previdenciários privatizados frente ao atual registro de quedas significativas no valor patrimonial, capaz de inviabilizar benefícios adequados de pensões e aposentadorias.

De outro lado, o papel quase simbólico atual das agências multilaterais construídas no final da Segunda Guerra Mundial, quando os países eram maiores, em geral, que suas empresas. Nos dias de hoje, as corporações transnacionais tornaram-se superiores ao produto anual de países, sendo o mundo, por isso, governado pelo poder privado de não mais do que 500 grandes grupos econômicos. As três maiores delas possuem faturamento anual superior ao PIB do Brasil, considerado o décimo mais rico do planeta, enquanto o faturamento das cinqüenta grandes corporações do mundo supera o PIB de mais de uma centena de países. Se consideradas somente as famílias enriquecidas pelo processo disfuncional de governança pública do mundo, observa-se que apenas um reduzidíssimo conjunto de menos de 1,2 mil bilionários chega a se apropriar de renda equivalente a da metade da população adulta do planeta.

O caráter privado da desregulação mundial termina por gerar situações inaceitáveis, como as atuais crises alimentar e climática. Com o abandono das políticas de segurança alimentar desenvolvidas no segundo após-guerra, que geralmente buscavam operar estoques reguladores e garantia de renda ao campo, as grandes corporações transnacionais do agronegócio sentiram-se estimuladas a estabelecerem preços inicialmente inferiores aos dos produtores tradicionais. A queda nos preços alimentares durou pouco, porém se mostrou suficiente para que houvesse o maior empobrecimento, quando não a falência dos pequenos agricultores, bem como o aprofundamento da dependência externa de tecnologia (defensivos e fertilizantes agrícolas). Nos dias de hoje, o comportamento dos preços dos alimentos pouco atende aos produtores, mas fundamentalmente às grandes corporações mundiais.

Da mesma forma, o mundo continua a insistir na continuidade do modelo de produção e consumo assentado na profunda degradação ambiental. A consciência de sua insustentabilidade não vem acompanhada da produção e difusão de tecnologias limpas e renováveis, justamente porque isso implica rever a hierarquia do mundo organizada a partir da desregulação operado pelas grandes corporações transnacionais.

Resumidamente, a contenção do papel do Estado por quase três décadas foi acompanhado por inquestionável processo de concentração brutal da renda e riqueza mundial. A liberalização das economias enfraqueceu o poder dos trabalhadores na barganha pela maior participação dos salários na renda dos países. Em geral, a parcela salarial dos trabalhadores caiu quase 20 pontos percentuais no PIB, de mais de 70% para um pouco acima dos 50% nos países avançados nos últimos trinta anos. Nos países não desenvolvidos, a queda também se generalizou de acima dos 50% para abaixo dos 40% do PIB desde o final da década de 1970. Com o esvaziamento do Estado, as políticas sociais foram abandonando gradualmente a perspectiva da universalização para aderirem à lógica da focalização, tão defendidas até pouco tempo por agencias multilaterais como Bird e FMI. Percebe-se, hoje, como se mostraram incapazes de sustentar o padrão de bem estar social compatível com o grau de avanço econômico dos países. O resultado não poderia ser outro: desigualdade e o quadro geral de relativa regressão socioeconômica.

Mesmo que apresente característica distinta da Depressão de 1929, a crise econômico-financeira atual tende a demandar remédios muito parecidos. Ou seja, o maior fortalecimento do papel do Estado regulador em novas bases, bem como a desconcentração da renda e riqueza no mundo. Tudo isso, no entanto, não deveria ser estabelecido exclusivamente no âmbito nacional, mas, crescentemente no plano supranacional, por ser capaz de por em marcha uma nova ordem mundial comprometida com prosperidade compatível tanto com a justiça social como a sustentabilidade ambiental do planeta.

*Marcio Pochmann é professor licenciado do Instituto de Economia (IE) e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

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Aos amigos e aos inimigos, a lei! *

Por Roberto Policarpo ** - 16/07/08

Em Raízes do Brasil, o historiador Sérgio Buarque de Holanda argumenta que no Brasil as esferas do poder se estabelecem por laços pessoais confluindo para uma política de interesses, ou melhor, de cordialidade. Esse raciocínio ainda se aplica ao serviço público, posto que o governo brasileiro ainda não ratificou a convenção 151 da OIT, que foi aprovada em 1978, em Genebra e que garante, entre outras coisas o direito de negociação coletiva para os servidores públicos. Agora, depois de trinta anos, o mundo dos trabalhadores se prepara para viver um momento histórico, posto que o presidente Luis Inácio Lula da Silva encaminhou essa matéria ao Congresso, em fevereiro de 2008, abrindo a possibilidade concreta de sua ratificação.

Embora o termo "servidor" permaneça até os dias atuais, práticas como nepotismo e clientelismo, que forjaram o alicerce do serviço público, foram combatidas por organizações de trabalhadores visando a republicanização dessa instituição ao longo da história. Até a Constituição de 1988, que dispôs sobre a obrigatoriedade do concurso público para ingresso no Estado, a composição dos quadros se baseava no critério da amizade. Ou seja, a capacidade de acesso aos cargos públicos se dava principalmente no grau de relação com os senhores da situação.

Nesse sentido, a convenção 151 firma-se como mais uma pilastra na edificação de um serviço público profissional e qualificado, a ponto de satisfazer as demandas sociais que validam sua existência ao mesmo tempo em que prega a igualdade de tratamento e de oportunidades. Embora os concursos públicos tanjam a questão do ingresso, os laços pessoais ainda são facilitadores do bom trânsito no funcionalismo mantendo viva a musculosa rede de clientelismo. Eis a representação evidente da política de relacionamento que se traduz naquele famoso ditado "Aos inimigos, a lei; aos amigos, tudo!". Vide, por exemplo, a questão política que impera na indicação para os cargos comissionados. Além de permitir uma maior profissionalização do serviço público, o significado contido na revolução trazida com a ratificação da convenção 151 está no fato de possibilitar uma somatória de conquistas, fortalecendo uma nova espécie de servidor – aquele que serve à cidadania.

Dessa forma, além de atestar e completar os direitos sindicais dos servidores públicos contidos na Constituição, que prevê o direito a organização sindical e o direito de greve, a ratificação da convenção 151 é um ato de reconhecimento da força do sindicalismo brasileiro, que há muitos anos batalha pelo direito a negociar coletivamente com os patrões, em nosso caso, com o governo. Além dos servidores e da sociedade, os sindicatos saem fortalecidos com a autonomia sindical, além da organização prevista, visto que as entidades estarão protegidas de atos que prejudiquem a nossa luta por meio da violação da liberdade sindical.

Equivocadamente nossa legislação não previu a negociação coletiva ao mesmo tempo que garantiu o direito de greve. A greve é um importante instrumento de pressão. É inegável que esse mecanismo concretizou um grande leque de conquistas para os trabalhadores, mas seu uso deve ser preservado, isto é, utilizado em última instância em razão do desgaste que acarreta. A questão é que essa ferramenta de pressão, sem o advento da negociação coletiva, torna-se o único meio de fazer o governo ouvir as reivindicações dos servidores. Contrariando a lógica, as greves ocorrem para forçar o direito à negociação. Deste modo, a ratificação da convenção 151 é a direção mais sólida rumo ao aprimoramento do serviço público e à valorização dos servidores.

O desenvolvimento nacional, com mais distribuição de renda e um estado forte e soberano, deve ser estruturado na consolidação da democracia existente nas relações de trabalho. A negociação coletiva já existe em relação aos profissionais da iniciativa privada, garantida pela CLT. Agora, será essa efetivação democrática no setor público a indutora do sentimento de cidadania que deve fomentar o Estado brasileiro republicano. A convenção 151 sedimenta esse caminho e simboliza um novo momento para o movimento sindical que defende o servidor público, motivando a participação dos trabalhadores e rompendo, de uma vez por todas, com os resquícios do Estado autoritário. A negociação chega para ser um diálogo horizontal e não uma relação de servidão vertical, como ocorria na Idade Média.

Mesmo considerando a evolução da humanidade e de suas práticas um contexto favorável, essa ratificação ainda não está garantida. Mais do que nunca, somos chamados à mobilização. Com perfil majoritário conservador e empresarial, o Congresso Nacional tem se mostrado contrário a qualquer medida que fortaleça a luta sindical. Portanto, não será fácil. O momento inspira atenção e muita pressão, visto que essa matéria começa a percorrer as comissões da Câmara. Como se pode observar, a luta está apenas no início. A convenção 151 contribuirá para uma mudança substancial nas práticas e mentalidades que formam o Estado brasileiro. É hora da sociedade fazer sua parte e mudar uma história de cordialidade que a afasta da cidadania.

Ao lado da CUT, conclamo a todos os servidores públicos, em especial aos do Judiciário e do Ministério Público que compõe a categoria da qual faço parte, a batalhar por essa ratificação junto aos parlamentares. É preciso dialogar, convencer, expor os argumentos de toda uma classe em prol desse marco histórico que é a concretização da negociação coletiva. Os sonhos de uma carreira digna e justa, de um Estado forte e transparente, e de um serviço público qualificado e republicanizado passam pela ratificação da convenção 151.

* Artigo publicado originalmente no Jornal de Brasília (11/07/2008)

** Roberto Policarpo é coordenador-geral da Fenajufe e do Sindjus/DF

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As 30 horas e a via administrativa

Por Pedro Maurício Pita Machado* – 14/07/08

No 1º Encontro Nacional da Fenajufe sobre Jornada de 6 horas, no Rio de Janeiro, tive oportunidade de debater as alternativas jurídicas para essa reivindicação. Além da óbvia possibilidade de uma lei específica, os Tribunais podem desde já fixar a jornada de seus servidores em 6 horas diárias (veja a íntegra de nossa exposição em power point clicando aqui).

Os limites máximos de trabalho dos servidores estão definidos primariamente na Constituição, em 44 horas semanais e 8 diárias (art. 7º, inc. XIII, aplicável por força do art. 39, §3º.). Secundariamente, o art. 19 da Lei 8.112/90 estabelece que a jornada pode ser fixada pela Administração, "respeitada a duração máxima do trabalho semanal de quarenta horas e observados os limites mínimo e máximo de seis horas e oito horas diárias, respectivamente" (redação da Lei 8.270/91).

A constitucionalidade e legalidade dessa providência já foram confirmadas inclusive pelo Conselho Nacional de Justiça, no Procedimento de Controle Administrativo nº. 83, que, aliás, contou com a decisiva participação da Fenajufe. Para o CNJ, a possibilidade de fixação da jornada dentro dos limites máximo e mínimo previstos em lei encontra suporte constitucional (autonomia administrativa dos Tribunais, CF, art. 99; organização das suas secretarias e serviços auxiliares, CF, art. 96, inc. I, al. "b") e legal: o art. 19 da Lei 8112/90, não só permite a fixação entre 6 e 8 horas diárias mas não exige qualquer redução vencimental (veja a íntegra da decisão do CNJ clicando aqui).

De fato, o que o art. 19 do RJU contém é uma faculdade, um poder discricionário cometido ao administrador, para que eleja, dentro do intervalo de 6 a 8 horas diárias, a jornada que melhor atenda ao cumprimento das finalidades do serviço.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, "Discricionariedade é a margem de 'liberdade' que remanesce ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos, cabíveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução unívoca" (Curso de Direito Administrativo, 15ª ed, São Paulo, Malheiros, 2003, p. 831).

Qual seria, então, "a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal" na eleição da jornada, dentro do intervalo máximo e mínimo previstos na lei?

A idéia de que quanto mais trabalho melhor não mais se sustenta. Especialmente em se tratando de trabalho intelectual, está comprovado que jornadas menores propiciam maior produtividade, trabalhos de maior qualidade, menor absenteísmo, menor índice de erros, redução exponencial de adoecimentos etc.

Por outro lado, cada vez mais se amplia o envolvimento com o trabalho no período extra-jornada. São múltiplas atividades de qualificação em prol do serviço, que no Judiciário Federal assumem importância ainda maior após a instituição do Adicional de Qualificação pelo PCS de 2006. Amplia-se o trabalho em domicílio, via Internet ou celular. Intensifica-se o compromisso e a preocupação contínua com as soluções para o trabalho (o trabalhador "plugado"). A vida urbana, em especial nas médias e grandes cidades, onde se localiza a massa das instalações do Judiciário e Ministério Público, também exige cada vez mais tempo de deslocamento de casa para o trabalho e vice-versa.

Em síntese, é plena a possibilidade da fixação imediata da jornada de trabalho dos servidores do Judiciário da União (e também do MPU) em 6 horas diárias ou 30 horas semanais, pela via administrativa.

Portanto, o desafio colocado para a Fenajufe e as entidades filiadas, neste momento, é o de pesquisar a realidade e reunir os mais sólidos argumentos – gerais e específicos – para demonstrar que é essa, como de fato é, a melhor alternativa dentre as "cabíveis perante o caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal".

* Pedro Maurício Pita Machado é da Assessoria Jurídica Nacional da Fenajufe e sócio da Pedro Maurício Pita Machado Advogados Associados.

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Democracia nas relações de traballho

Por Arthur Henrique* – 14/04/08

Estamos vivendo um período de definições em torno de conquistas importantes para a disputa entre a classe trabalhadora e o capital. Há propostas em curso que podem consolidar no plano institucional alguns instrumentos para fortalecer o sindicalismo para além de governos ou conjunturas.

Trata-se de tornar definitiva a ocupação de espaços por parte de propostas progressistas, que apontem para maior justiça social e equilíbrio na distribuição dos frutos do progresso e do desenvolvimento.

O período é propício devido à vigência do Governo Lula e também por atravessarmos um crescimento econômico de fôlego bastante superior aos observados nas últimas décadas.

A luta pela ratificação da Convenção 158 da OIT (Organização Internacional do Trabalho, órgão da ONU) insere-se nesse contexto. Está acompanhada de outras bandeiras que a CUT vem empunhando desde seu nascimento – e por muitos de nós antes mesmo disso – e que estão próximas de concretizar-se. As conquistas dependem principalmente da mobilização da CUT e das demais centrais que vêm se somando à agenda, mas também de uma articulação consistente no Congresso Nacional, cujo crivo é essencial para que as reivindicações incorporem-se ao cotidiano brasileiro.

Contra a demissão imotivada

Ratificada, a Convenção 158 vai estabelecer como política de Estado o fim das demissões imotivadas como recurso indiscriminado, como saída fácil para qualquer obstáculo ou como ferramenta empresarial para conter o avanço dos salários.

Com a entrada em vigor da Convenção 158, o patrão vai precisar, antes de demitir, comunicar os trabalhadores e os sindicatos que os representam e justificar os motivos da demissão.

Depois que o sindicato for comunicado, será aberto um processo de negociação com a empresa. O objetivo é encontrar uma alternativa à demissão. O sindicato vai poder avaliar se as razões apresentadas pelo empregador são justas ou se há uma outra forma de resolver o problema.

Processos semelhantes já existem no Brasil, em setores em que os sindicatos estão bastante fortalecidos. O Sinergia-CUT-SP, por exemplo, conseguiu firmar acordos coletivos que estabelecem uma série de obstáculos às demissões. Foram acordos importantes na defesa de bastiões durante o processo de desmonte neoliberal da estrutura pública paulista. Em nenhum momento esses acordos impediram o crescimento das empresas do setor elétrico estadual e muito menos restringiu a geração de novos empregos.

Costumo citar outro exemplo de negociação bastante simbólico e conhecido. Nos pouco saudosos anos 1990, a câmara setorial do setor automotivo encontrou uma alternativa histórica às demissões em massa anunciadas pelas montadoras, que enfrentavam grave crise. Os sindicatos cutistas puxaram uma força-tarefa formada por trabalhadores, empresas e governo federal que resultou na redução de impostos, de preços e margens de lucro, e em mudanças na linha de produção, dando origem aos carros mil cilindradas no país. Aquela experiência mostrou que o freio a um ato unilateral do empresariado poupou não só os trabalhadores das empresas, mas toda a cadeia econômica brasileira. Com uma prática civilizatória, a onda de demissão foi suspensa e as empresas pavimentaram caminho para os recordes de produção e venda registrados hoje em dia.

A ratificação da 158, com seu caráter normativo, deve espraiar tal política por todos os setores econômicos. Não sem antes, é verdade, um processo de adaptação das empresas e também dos sindicatos. Será necessário qualificar-se para uma tarefa muito mais complexa do que simplesmente homologar demissões.

Criatividade e inteligência estratégica

Porém, não há razões para o temor que vem sendo disseminado por representações empresariais, com eco em colunas econômicas. Vai exigir criatividade, inteligência estratégica e uma dose extra de compromisso, mas algo que o empresariado está capacitado a enfrentar. Pequenos empreendimentos, assim como sindicatos de pouca estrutura, terão mais dificuldade na etapa de adaptação, mas é tarefa das grandes entidades representativas transmitir o acúmulo histórico e formativo necessários à mudança.

Para compor com a Convenção 158, necessitamos da Organização por Local de Trabalho (OLT), mecanismo que o movimento sindical vem construindo em alguns setores e que quer ver consolidado em todo o país. Onde existe, a organização no local de trabalho antecipa-se a conflitos, apresenta propostas e soluções produtivas que atualmente são de grande valia para os sindicatos, mas também para as empresas que, mediante a luta dos trabalhadores e os acordos coletivos resultantes, entendem a OLT como uma ferramenta moderna que em nada atrapalha seus negócios, ao contrário.

Alguns porta-vozes do empresariado, apesar de experiências como as que citamos, têm dito que a 158 vai gerar desemprego, pois "fechará a porta de entrada" ao estipular regras mais civilizadas para o uso da porta de saída. Outro argumento que têm usado é de que diminuiu o número de empregos em países que ratificaram a convenção – poderíamos citar Alemanha, França, Espanha, Suécia.

O Estado de Bem-Estar Social, tal como implementado na Europa do pós-guerra e mantido como resistência ao neoliberalismo recente, estabeleceu regulações contra o processo selvagem de acumulação do capital sobre os trabalhadores e nem por isso o continente perdeu competitividade ou patinou na pobreza. Todos sabemos que em países europeus, se houve redução do ritmo de crescimento dos empregos em certos períodos, a razão está ligada diretamente à diminuição do crescimento econômico e a várias condicionantes estruturais, e não à regulação contra a demissão imotivada.

Crítica semelhante já vimos a respeito de processos de valorização do salário mínimo, como se patamares mais elevados prejudicassem a geração de emprego e o crescimento. Os números recentes demonstram o contrário e corroboram a tese de que o desejo social por dinâmicas mais civilizadas deve ser estimulado.

Protagonismo dos trabalhadores

Creio que a tentativa de espalhar terror em torno dessa mudança está ligada, na verdade, ao fato de amplos setores do empresariado não aceitarem a idéia de maior poder aos sindicatos. Assim como se dá a rejeição a um governo democrático de origem popular e com agenda que alterou prioridades. A 158, assim como o reconhecimento legal das centrais e a Convenção 151 da OIT, aponta para um papel protagonista dos trabalhadores na condução da política e da economia brasileiras.

É claro que devemos ter bem definido esse diagnóstico e, movidos por ele, empenhar-nos para que tanto a 158 quanto a 151 – que estabelece negociação permanente no setor público – sejam ratificadas e depois regulamentadas. A CUT não espera do Partido dos Trabalhadores nada menos que uma posição única e veemente em defesa dessas bandeiras.

Por outro lado, há dúvidas em nossas bases. Espalhou-se através dos jornais a tese de que a 158 vai criar a estabilidade no emprego ou, ainda, acabará com a figura da demissão sem justa causa e, portanto, todos perderíamos direito às verbas rescisórias.

Nos casos em que a demissão não puder ser evitada, os direitos rescisórios estarão mantidos – aviso prévio, FGTS, seguro-desemprego, férias e 13º proporcionais. A multa do FGTS, criada em 1966 como substituta da estabilidade no emprego, deve ganhar nova conformação a partir da chegada da 158. Tal mudança deve passar por regulamentação – o que não significa necessariamente o fim da multa.

Segundo nota técnica elaborada pelo Dieese, há três situações distintas relacionadas ao fim da relação de emprego:

a) o término por motivo relacionado ao comportamento do empregado (o que, no nosso caso, equivaleria à "justa causa");

b) o término por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos, a serem previstos na regulamentação da Convenção;

c) o término injustificado, que não atende aos quesitos anteriores e que, portanto, deveria levar à readmissão do empregado ou ao pagamento de indenização adequada ou outra reparação que se considerar apropriada.

Todo o detalhamento das mudanças acarretadas pela Convenção 158 deve ser objeto de regulamentação. Para tanto, se necessário, enfrentaremos o processo de aprovação de uma lei complementar. De qualquer maneira, a CUT tem projetos consistentes sobre temas relacionados ao novo escopo normativo que surgirá. Podemos citar como exemplos o projeto de regulamentação da automação e o projeto de regulamentação das terceirizações.

Mais democracia

A Convenção 158, assim como a 151, enviadas ao Congresso Nacional em 14 de fevereiro pelo governo federal, é fruto de entendimento internacional e já adotada em 34 países, como Alemanha, França, Espanha e Suécia. No Brasil, a 158 está em acordo com o parágrafo 7, inciso 1º da Constituição Federal, que prevê: "São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros, (...) relação de emprego protegida contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos da lei complementar (grifo nosso), que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos".

Como já mencionado, uma das principais razões para defendermos a entrada em vigor da 158 é a alta rotatividade no mercado de trabalho. Em momentos de crescimento, a rotatividade funciona como ferramenta perversa para impedir a recuperação do poder de compra dos salários. Em 2007, segundo análise do Dieese, 44% dos trabalhadores foram vítimas da alta rotatividade. A diferença salarial entre um demitido e aquele que o substitui foi da ordem de 10% no mesmo ano. Em números absolutos, em 2007 foram admitidos 14,3 milhões de brasileiros. No mesmo período, foram demitidos 12, 7 milhões. É fácil supor que muitos fazem parte das duas estatísticas. Enquanto isso, tantos outros não conseguem acesso a empregos decentes.

Todos perdem. O Ministério do Trabalho prevê que em 2008 serão gastos R$ 13,2 bilhões para pagamento de seguro-desemprego, valor que poderia ser investido em outros programas, como requalificação profissional. Segundo o mesmo ministério, as demissões em 2008 devem atingir 9,7 milhões de brasileiros, o que representa cerca de 30% do mercado formal de trabalho.

Os resultados negativos propagam-se – salários menores, menor consumo. Há também a instabilidade e o medo quanto ao futuro, razão do adoecimento por estresse de 91% dos homens e de 83% das mulheres, segundo pesquisa recente. Maior instabilidade, menor possibilidade de planejamento e de investimento, portanto, menor consumo.

Por tudo isso, a CUT quer ver votadas este ano as ratificações das convenções 158 e 151 e a aprovação da redução da jornada sem redução de salários, o que vai consolidar, como já disse, conquistas que não poderão ser torpedeadas em outra conjuntura. Não queremos ver repetidas situações como a denúncia feita pelo FHC contra a 158, em 1996 – retrocesso contra o qual há uma ação movida pela CUT através da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) e CNM (Confederação Nacional dos Metalúrgicos) no Supremo Tribunal Federal. Queremos, sim, ampliar a democracia nas relações de trabalho no Brasil.

*Arthur Henrique é Presidente Nacional da Central Única dos Trabalhadores.

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Apoio às Convenções 151 e 158 da OIT

Por Altamiro Borges* - 29/02/08

Numa atitude ousada e até surpreendente, o presidente Lula anunciou na semana passada que enviará ao Congresso Nacional o pedido de ratificação imediata das Convenções 151 e 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A primeira institui a negociação coletiva no setor público e a segunda proíbe as demissões imotivadas na iniciativa privada. Caso sejam aprovadas, estas duas medidas representarão enorme avanço nas relações trabalhistas no país, marcadas até hoje pela vigência da ditadura das empresas. O governo Lula lançou a bola em campo e os times adversários, capital e trabalho, já se preparam para um embate que promete ser duro e educativo.

A ira dos empresários

O anúncio destapou o ódio do capital. Num artigo no jornal Valor, sugestivamente intitulado ''os empresários reagem ao avanço sindical'', dirigentes de poderosas entidades patronais voltaram a repetir a cínica choradeira sobre os altos custos da força de trabalho no Brasil. ''Essas normas são um retrocesso e prejudicam o ambiente de negócios'', chiou Armando Monteiro Neto, presidente da Confederação Nacional das Indústrias (CNI). Para ele, o presidente Lula, que teve ''bom senso na macroeconomia'', sofreu uma ''recaída'' e voltou às suas origens sindicais, propondo medidas que elevam os custos do trabalho e prejudicam a competitividade das empresas capitalistas.

Ainda mais irado, o consultor de empresa José Pastore, que coordenou o programa trabalhista do tucano Geraldo Alckmin, garantiu que o presidente Lula deseja impor uma ''república sindical'' no país – relembrando o velho bordão dos golpistas de 1964. Entre outras ''provas'', ele criticou a medida provisória que legaliza as centrais, a recente decisão do Judiciário de ampliar o poder de substituição processual dos sindicatos e a lei 11.430 que inverte o ônus da prova no caso de dano à saúde do trabalhador. Para ele, estas e outras medidas são ''uma bomba atômica'' que fomentam a ação sindical e expressam o ''socialismo legalista'' (!) que o governo Lula quer bancar no país.

Deixando de lado as neuras da direita nativa, o texto do Valor revela que a nata empresarial está preocupada com o fantasma do avanço da influência sindical no parlamento e no governo. A CNI inclusive estaria dando ''acompanhamento especial'' a projetos que afetariam a lucratividade das empresas. ''Seus autores são parlamentares de três partidos (PT, PCdoB e PDT) e há também o projeto do Executivo que estabelece a política permanente de valorização do salário mínimo''. De maneira arrogante e elitista, o presidente da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, Eduardo Eugenio Gouvêa, afirma que estes e outros projetos visam ''valorizar a incompetência''.

Uma injustiça histórica

A imediata gritaria dos empresários indica que a batalha pela ratificação das convenções não será fácil. Ela também confirma o reacionarismo dos patrões, talvez devido às origens como donos de escravo. As normas da OIT, um fórum tripartite, não têm nada de ''socialismo legalista''. Apenas disciplinam as relações de trabalho, visando inibir o poder ditatorial das empresas. No caso da Convenção 151, ela corrige uma antiga injustiça imposta pelas forças conservadoras. Até hoje os servidores públicos nunca tiveram o direito à negociação coletiva, sendo vítimas da truculência de vários governos, que sequer recebem os sindicatos do setor para discutir as suas demandas.

Para Jucélia Vargas, dirigente da Federação dos Servidores de Santa Catarina, a ratificação desta convenção representaria um ''marco histórico'' na organização dos trabalhadores. Os artigos 4 e 5 garantem o direito à sindicalização, fixando as normas de proteção contra práticas discriminação anti-sindical. Já o artigo 8º define mecanismos para solução de conflitos via negociação coletiva. ''Ela traz algumas garantias para a concretização da democracia nas relações de trabalho no setor público e representa um novo momento para o sindicalismo que defende os servidores públicos''. Prevendo a reação da direita, Jucélia alerta: ''O governo federal fez a sua parte. Façamos a nossa, com unidade e mobilização, para que possamos ser vitoriosos em mais esta etapa da batalha''.

O fim da demissão imotivada

Já a Convenção 158 da OIT mexe diretamente com os interesses do capital. Segundo Henrique Júdice, num minucioso artigo no jornal Correio da Cidadania, ''ela proíbe que o trabalhador seja demitido sem motivo razoável relacionado à sua conduta, à sua capacidade profissional ou às necessidades estruturais da empresa. Ela é mais flexível do que o antigo regime de indenização e estabilidade no emprego instituído por Getúlio Vargas e abolido pelo regime de 64, mas é um enorme avanço comparado à atual legislação brasileira, pelo qual o trabalhador pode ser demitido por qualquer motivo ou sem motivo algum''.

''Além de proibir a demissão injustificada, ela estabelece algumas causas que não podem ser consideradas justas: atuação sindical, cor, religião, opiniões, gravidez ou situação familiar. Ela proíbe também que o trabalhador seja demitido por ter entrado na justiça contra a empresa ou por faltar ao serviço quando doente... Assegura que todo empregado demitido terá direito de recorrer à justiça contra a demissão. Se a empresa não provar que a causa apontada ocorreu e que é justa, será condenada a reintegrá-lo. No caso de demissão em massa (''corte de pessoal'', na linguagem dos gerentes) por alegada necessidade econômica da empresa, a Justiça poderá examinar se essa necessidade realmente existe. Se concluir que não, poderá, igualmente, reintegrar os demitidos''.

As mentiras da mídia patronal

Escorada na manipulação da mídia, a elite empresarial difunde a idéia de que a Convenção 158 é uma aberração jurídica e que prejudicará o desenvolvimento do país. Não informa, por exemplo, que esta norma da OIT já foi ratificada por 180 países e que nenhum deles faliu por este motivo. Ela também não confessa que a demissão imotivada é um perverso mecanismo para estimular a rotatividade no emprego e, como efeito, rebaixar os salários – o que prejudica o crescimento da renda, do consumo e o próprio desenvolvimento nacional. No ano passado, 14,3 milhões de trabalhadores foram contratados no país, mas, em compensação, 12,7 milhões foram demitidos. Trabalhadores novos e com salários mais baixos substituíram os mais antigos e com renda maior.

Além de estimular a rotatividade no emprego e de reduzir o poder aquisitivo dos assalariados, a demissão imotivada é um poderoso instrumento de inibição da organização de classe. Muitos trabalhadores são dispensados porque se sindicalizaram ou participaram de uma assembléia. Ela é a expressão cabal da ''ditadura nas fábricas'', onde a democracia nunca existiu. O grande medo dos empresários é que a ratificação da Convenção 158 encoraje a ação coletiva e a participação dos trabalhadores nos sindicatos. Batendo recordes de produtividade e lucratividade, o capital teme ser afetado no seu paraíso de opulência e ser obrigado a socializar um pouco dos lucros.

Hora da onça beber água!

Dado ao seu alto poder inflamável, a convenção 158 já foi motivo de outras escaramuças no país. Em 1992, ela foi assinada pelo presidente Itamar Franco e ratificada no Congresso Nacional. No entanto, não entrou em vigor porque o Poder Judiciário – fiel aliado do capital – declarou que ela era incompatível em virtude de uma manobra jurídica; os tratados internacionais têm, no Brasil, o status de lei ordinária, ao passo que a Constituição prevê que a proteção ao trabalhador contra demissão imotivada seria regulada em lei complementar. Na seqüência, para evitar dor de cabeça e servir aos seus patrões, o presidente FHC simplesmente revogou a adesão do país à Convenção.

Agora, o presidente Lula, retomando suas origens operárias, coloca novamente a bola em jogo. A disputa será pesada e poderá ter um enorme efeito pedagógico. As centrais sindicais (CTB, CUT, FS, UGT, CGTB e NCST), unidas na jornada pela redução da jornada, prometem fazer barulho em defesa destas normas. Até o PSTU, ácido opositor do governo Lula, reconheceu que elas são positivas. Artigo do jornal Opinião Socialista diz que ''a ratificação das convenções significaria o direito de organização sindical aos servidores e o fim das demissões sem justa causa''. Mas, sem perder o hábito, ele critica Lula, ''que poderia assinar a adesão, sem necessidade de aprovação dos parlamentares'', o que não é verdade. De qualquer forma, chegou a hora da onça beber água!

* Altamiro Borges é jornalista, editor da revista Debate Sindical e autor do livro "As encruzilhadas do sindicalismo" (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).

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Cerco aos direitos dos servidores

Por Antônio Augusto de Queiroz* - 31/10/07

No momento em que o Governo Federal dispõe de folga de caixa e, portanto, não tem a menor necessidade de promover ajuste sobre os servidores públicos, contraditoriamente coincide com as maiores ameaças aos direitos do funcionalismo nos últimos anos.

As ameaças vão desde o PLP 248/98, que permite a dispensa por insuficiência de desempenho, o PLP 1/07, que restringe os gastos com pessoal, o PLP 92/07, que autoriza a criação de fundações estatais para contratação de servidores pela CLT, passam pelo PL 1.992/07, que institui a previdência complementar do servidor, pelo PL 4.497/01, que dispõe sobre o direito de greve e a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre esta matéria, até a PEC 12/06, do Senado, que trata dos Precatórios.

Cada uma dessas proposições embute algum tipo de ameaça a direito consolidado dos servidores. O PLP 248, que permite a dispensa do servidor por insuficiência de desempenho, se aprovado, abre caminho para a perseguição pelas chefias aos servidores, inclusive das carreiras exclusivas de Estado.

O PLP 1/07, que restringe o gasto com pessoal, na prática congela o percentual atualmente destinado à despesa com servidores públicos, algo em torno de 30% da receita liquida corrente, quando poderia gastar até 50%, conforme a Lei de Responsabilidade Fiscal. Segundo o texto, a expansão da despesa, que inclui a contratação de novos servidores, ficará limitada à reposição da inflação e mais 1,5% , que não acompanha nem o crescimento vegetativo da folha.

O PLP 92/07 autoriza a criação de fundações públicas ou privadas, com a contratação de pessoal pela CLT, para prestar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, meio ambiente, previdência complementar, ciência e tecnologia, entre outros, rompendo, assim, com o Regime Jurídico Único (RJU).

O PL 1.992/07, por sua vez, institui a previdência complementar no serviço público, eliminando, para os futuros servidores, o direito à paridade e à integralidade, dois atrativos importantes no recrutamento de quadros qualificados para a Administração Pública, além dos riscos inerentes à aplicação financeira dos recursos destinados a complementar aposentadoria desses servidores.

O substitutivo ao PL 4.497/01, sobre direito de greve, combinado com a decisão recente do Supremo sobre a matéria, coloca em xeque esse direito para os servidores em geral e para as carreiras exclusivas de Estado, em particular. A regulamentação restritiva do direito de greve, sem a garantia de negociação coletiva, penaliza duplamente o servidor.

A PEC 12/06 institucionaliza o calote no pagamento de precatório, além de retirar o caráter alimentar dos precatórios dos servidores. A proposta de emenda à  Constituição limita os recursos orçamentários destinados a honrar dívida da Fazenda Pública e instituir os leilões para a venda de precatório por menos da metade do valor de face.

A julgar pela investida sobre os direitos dos servidores, os desafios das lideranças sindicais do serviço público serão enormes.

(*) Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político, Diretor de Documentação do Diap e assessor parlamentar da Fenajufe.

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