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Levantamento inédito escancara a fake news do projeto NS

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Por Guilherme Silva, servidor do Ministério Público da União no MPDFT, graduado em Sistemas de Informação e MBA em Gestão de TI na Administração Pública

Dados apontam que, dos 11.947 técnicos que ingressaram no PJU e MPU nos últimos cinco anos, 3.436 (28,76%) não poderiam ter tomado posse se fosse elevada a escolaridade dos cargos de nível médio  

Manda a prudência que só se emita opinião sobre aquilo que se sabe ou que se tenha estudado o suficiente para obter boa margem de confiança no assunto. A lição deve ser aplicada ao debate público sobre o projeto eni-éssi, que transforma em nível superior o cargo de técnico, que é de nível médio. Ao longo de uma década, a proposta foi alimentada por palpiteiros, “especialistas de fachada” e sindicalistas profissionais. Essa gradativa e perniciosa contaminação levou a uma profusão de boatos e dados jogados ao vento, porém aceitos como verdade por crédulos interessados e “inocentes”. Tudo por conta de discussões permeadas por opiniões sem esteio na realidade e da degradação do senso crítico das plateias. 

Neste artigo, a ideia central é demolir um dos argumentos usados para justificar a iniciativa do eni-éssi: “a esmagadora maioria dos candidatos (95%) que hoje é aprovada e toma posse no cargo de técnico judiciário já possui nível superior”. Data vênia, isso é pura cascata!!! Levantamento inédito realizado junto a TODOS os órgãos do PJU/MPU aponta a estatística real: nos últimos cinco anos, em cada dez técnicos que tomam posse, apenas sete (71,24%) têm graduação. Portanto, 3.436 (28,76%) não poderiam ter tomado posse, se fosse elevada a escolaridade dos cargos de nível médio. 

O percentual equivocado é defendido no “dossiê NS”, que – encaminhado pela Fenajufe em 2016 à Comissão Interdisciplinar de Carreira do STF (Supremo Tribunal Federal) e distribuído a uma longa lista de autoridades – ganhou o apelido de “trem-bala da alegria” a cada notícia publicada na mídia. Nessa cruzada em defesa da inverdade, foram patrocinadas pressões junto aos presidentes do STF em 2017 (Cármen Lúcia) e 2018 (Dias Toffoli), a vários presidentes e ministros de tribunais superiores. Neste ano, os seus defensores atravessaram a Praça dos Três Poderes e levaram o documento, sem reparos, a auxiliares do presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto. 

Não é surpreendente que haja tanta desinformação, mentiras e falácias nas justificativas a esse projeto. Tenta-se esconder que o pleito é uma manobra de alijamento da maioria da população (90,8% não possui graduação segundo o TSE em 2018) que só conseguiu concluir o ensino médio. O “dossiê NS” afirma que 95% dos aprovados nos concursos de técnico judiciário na Justiça Federal da 2ª Região (RJ e ES) possuem graduação superior. Seria intelectualmente honesto extrapolar esse dado obtido no TRF2 para todo o Brasil? A situação do 2º e do 13º estado, Rio de Janeiro e Espírito Santo, com maior PIB per capita do Brasil reflete todo o conjunto de unidades da Federação? 

A informação sobre o percentual de aprovados com graduação no TRF2 foi manipulada como se fosse o retrato do PJU em ao menos dois documentos públicos. No PL 2648/2015, que deu origem à Lei nº 13.317/2016 (alteração do plano de carreira do PJU), o ex-deputado federal Manoel Junior (MDB/PB) patrocinou uma emenda que tentava de forma inconstitucional (por vício de iniciativa) alterar o requisito de ingresso citando o mesmo percentual. O documento mais recente que menciona o percentual foi a “nota pública do Sindjus-DF em apoio aos técnicos judiciários e ao NS” em 18 de dezembro de 2018. Diz a nota: “ [a] verdade é que cerca de 95% dos técnicos judiciários possuem nível superior”. 

Pelo bem da verdade, é preciso diferenciar amostragem de extrapolação. Amostragem se refere a uma parcela da população alvo de pesquisa que seja confiável para apontar probabilidade sobre o todo. Há vários cálculos sobre o melhor percentual da amostragem para indicar credibilidade. Nunca pode ser menor de 1%, com certeza. Ora, o TRF2 tem apenas 751 técnicos ativos. Ou seja, é praticamente 1% do total da categoria em atividade no país. 

Portanto, usar a situação do TRF2 para refletir o quadro nacional é o que se chama de extrapolação, ou seja, está se utilizando de um processo matemático de obtenção de valores de uma função fora de um intervalo, mediante o conhecimento de seu comportamento dentro desse intervalo. É generalizar com base em dados parciais ou reduzidos, estendendo a validade de uma afirmação ou conclusão além dos limites em que ela é comprovável. O risco de incerteza de extrapolar é alto. Como argumento retórico, a extrapolação é empregada na falácia de composição: consiste em afirmar que o todo possui a mesma propriedade da parte. 

A maior ironia é que a formação superior está intimamente relacionada ao método científico, que prega a sustentação das informações por meio de dados referenciados, evidências empíricas verificáveis e análise criteriosa com uso da Lógica. Em poucas palavras: a lógica aplicada à ciência. 

Como investigar a sério essa questão objetiva? Indo aos dados! A CF/88 garante o acesso a informações dos órgãos públicos (CF/88, art. 5º, XXXIII), matéria regulada pela Lei nº 12.527/2011 (Lei de acesso à informação). Com base nesses dispositivos, consultamos TODOS os órgãos da estrutura do PJU e MPU para apurar a real situação de formação dos técnicos judiciários e do MPU. Apenas quatro dos órgãos pesquisados não responderam, mas a quantidade de servidores ativos deles foi levantada junto aos respectivos portais da transparência, embora sem a informação relativa ao grau de escolaridade. Os dados são de agosto a novembro de 2018. O resultado está reunido nesta tabela: 

Órgãos (*)

Técnicos ativos

Técnicos inativos

Tribunais superiores (STF, STJ, TSE, TST, CNJ, CJF, CSJT)

4.162

1.432

Justiça eleitoral (TREs)

9.133

2.054

Justiça federal (TRFs e JF) (**)

16.644

1.536

Justiça militar (STM e JM)

432

244

Justiça trabalhista (TRTs)

23.322

7.051

TJDFT

4.676

675

MPU (MPF, MPT, MPM, MPDFT, CNMP)

9.651

1.810

Total (ativos + inativos: 82.822)

68.020

14.802

(*) dados de TRT7, JFSE e JFPE foram extraídos dos portais da transparência e se referem apenas a servidores ativos.
(**) dados de JFSE são de 04/2015.
 

Nos termos do art. 15º da Lei 11.416/2006, alterado pela Lei 13.317/2016, é devido ao técnico judiciário portador de diploma de curso superior adicional de qualificação de 5%; 7,5% com certificado de especialização; 10% com mestrado; 12,5% com doutorado. Instrumento análogo existe para os técnicos do MPU. Assim, obtivemos um meio objetivo e preciso para apurar o grau de instrução dos técnicos ativos e inativos do PJU/MPU, posto que um número desprezível abriria mão de receber um adicional ao salário caso reunisse a condição para tal. Com base nos dados fornecidos pelos órgãos, temos o seguinte extrato: 

Graduação

Especialização

Mestrado

Doutorado

Sem adicional

25.878 (31,68%)

35.687 (43,69%)

973 (1,19%)

230 (0,28%)

18.918 (23,16%)

Ou seja, quase um em cada quatro técnicos não possui graduação. Quando se considera apenas os técnicos ativos, temos quase 16% sem graduação. E como entram os novos técnicos? Será que há uma “esmagadora maioria” de graduados? Considerando os ocupantes da primeira classe/padrão (A1), 1.749 técnicos, temos o seguinte: 

Graduação

Especialização

Mestrado

Doutorado

Sem adicional

779 (44,54%)

438 (25,04%)

29 (1,66%)

0 (0%)

503 (28,76%)

Quase três em cada dez técnicos que tomam posse no PJU/MPU não possuem graduação superior. Esse dado é muito relevante, pois nos permite projetar (agora com segurança e ancorados em grande massa de dados) quantos técnicos seriam impedidos de entrar nos quadros do PJU/MPU caso a proposta do eni-éssi tivesse vingado. Por óbvio, se o objetivo desse pleito é elevar o requisito de escolaridade para ingresso, é mais importante saber qual o percentual exato dos recém empossados técnicos que possuem graduação. Considerar o percentual total ignora o facilitador que a própria remuneração no cargo oferece aos servidores que buscam melhorar sua formação. 

Nem os dados apresentados no “dossiê do NS” encontraram respaldo no levantamento. No TRF2, 13% dos novos técnicos não possui graduação. 

Dos 11.947 técnicos que ingressaram nos quadros do PJU e MPU nos últimos cinco anos, 3.436 (28,76%) não poderiam ter tomado posse, caso o projeto eni-éssi tivesse vingado, apesar de terem passado em um dos concursos mais concorridos do Brasil. Será que esses colegas não são qualificados? É correto dizer que não há espaço para eles no PJU e MPU? 

E mais: considerando que a contraminuta de projeto de lei encaminhada ao STF não trata do AQ de 5% pago aos técnicos que concluíram a graduação (e que o dossiê do NS da Fenajufe deixa o assunto no campo do “deve ser”), no cenário mais realistas, dos 81.689 técnicos judiciários do PJU/MPU (considerando o universo de servidores dos órgãos que responderam à pesquisa), 25.878 (31,68%) não receberiam mais o adicional em seus contracheques a partir de uma eventual (e improvável) promulgação de lei que alterasse o requisito de ingresso do cargo. Eis que não se pode receber um adicional pela escolaridade que é exigida para posse no cargo. 

O senador americano Daniel Patrick Moynihan (1927-2003) disse certa feita que “você tem direito às suas próprias opiniões, mas não tem direito a seus próprios fatos”. Encarar a realidade dos fatos é o melhor caminho para fazer a defesa de suas posições.

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