Conforme o jornal, o Ministério da Defesa, orientado por Jair Bolsonaro (PL), prepara um “programa próprio de fiscalização”, algo que nunca ocorreu em períodos democráticos no Brasil. Isso em um contexto de preocupante aumento da presença militar no governo, inclusive com diversas ilegalidades que foram identificadas pela Controladoria-Geral da União (CGU).
A reportagem do Estadão conta que as Forças Armadas estão preparando um plano de fiscalização paralela para as eleições em oito etapas, que vão desde a lacração das urnas até a totalização dos votos, passando por testes de autenticidade e integridade das urnas. O Ministério da Defesa já avisou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pretende realizar os procedimentos e solicitou algumas informações técnicas para preparar o plano. Orientados por Bolsonaro, os militares já haviam enviado ao TSE mais de 80 questionamentos sobre o processo eleitoral.
As tentativas de desacreditar e tutelar as eleições deste ano são estimuladas nas Forças Armadas pelo governo, que vem enfileirando, há meses, declarações que buscam gerar desconfiança sobre as urnas eletrônicas – com as quais o próprio Bolsonaro foi eleito em diversas ocasiões – e preparar o terreno para questionar as eleições em caso de derrota. Em abril, Bolsonaro deu declarações pedindo uma “apuração paralela” de votos pelos militares, com um computador próprio. Ele chegou a dizer que os votos eram apurados em uma “sala secreta” do TSE, o que é mentira.
A Justiça Eleitoral e seus servidores e servidoras
A Justiça Eleitoral brasileira foi criada há 90 anos, em 1932, a partir da criação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Atualmente, mais de 35 mil pessoas trabalham na Justiça Eleitoral, incluindo magistrados, servidores efetivos, requisitados e comissionados e força de trabalho auxiliar. Conforme dados do relatório Justiça em Números de 2021, relativos ao ano anterior, são 23.499 servidoras e servidores concursados, comprometidos com a segurança dos processos eleitorais e com a lisura das eleições. É a honestidade e a competência desses servidores e servidoras que Bolsonaro coloca em dúvida a cada vez que questiona a seriedade da Justiça Eleitoral.
Para o diretor do Sintrajufe/RS Edson Borowski, que é servidor da Justiça Eleitoral, “mais uma vez as Forças Armadas, a serviço do governo de plantão, demonstram desconhecimento e inabilidade para tratar do tema das eleições. A apuração das eleições acontece em cada seção eleitoral do país, com a impressão do Boletim de Urna e não na ‘apuração paralela’, podendo ser conferido por qualquer instituição séria comprometida com o Estado democrático e também pela população. O ataque à Justiça Eleitoral e aos servidores e servidoras é tentativa vil de desestabilização da democracia no Brasil. Resistiremos!”.
O diretor do Sintrajufe/RS Rogério Ávila, também servidor da Justiça Eleitoral, avalia que “parece-me notória a tentativa de manutenção de uma narrativa ficcional com o intuito de colocar em questão o resultado das eleições e como consequência o trabalho sério dos colegas da Justiça Eleitoral. É inconcebível que as Forças Armadas sejam usadas pelo governo com esta finalidade, assim como também é difícil de aceitar o fato de que foi o próprio TSE que chamou os militares para uma comissão de análise e teste das urnas, este não é papel deles”.
Diretora do Sintrajufe/RS e servidora da Justiça Eleitoral, Márcia Coelho afirma que as servidoras e os servidores da Justiça Eleitoral “servem à população brasileira, fazendo um trabalho de excelência ao entregar os resultados das eleições de acordo com a vontade expressa nos votos. As Forças Armadas deveriam proteger a população e garantir que as servidoras e os servidores da Justiça Eleitoral possam desempenhar suas atividades com calma e tranquilidade. Ao alterar a função das Forças Armadas, o chefe do Executivo cria instabilidade no processo sucessório, ameaça a democracia e demonstra que pretende desrespeitar a vontade popular. As servidoras e servidores da Justiça Eleitoral exigem respeito”.
CGU aponta ocupação ilegal de cargos e salários acima do teto
A extrapolação das funções dos militares em relação ao processo eleitoral reflete o que vem acontecendo no governo federal sob o comando de Bolsonaro. Ao mesmo tempo em que atiça os militares para uma aventura golpista, Bolsonaro entrega aos fardados um grande volume de cargos e benefícios financeiros, em diversos casos de forma ilegal (veja abaixo). Bolsonaro vem, ao longo de seu governo, distribuindo benesses para o setor, de reajustes salariais a proteções previdenciárias, passando pela farta distribuição de cargos – conforme o Tribunal de Contas da União, Bolsonaro triplicou a presença dos militares no governo federal, já ultrapassando os 6 mil, incluindo uma grande quantidade de ministros de farda que já passaram por diferentes pastas nos últimos três anos e meio.
A CGU realizou uma auditoria sobre a atuação de militares em cargos públicos e percebeu diversas irregularidades, informa também o jornal O Estado de S. Paulo em sua edição desta terça. No total, foram encontradas irregularidades em pagamentos e ocupações de cargos de 2.327 militares que estão no governo Bolsonaro. Há 558 casos de ocupação simultânea de cargos militares e civis sem nenhum tipo de amparo legal para isso, diz a CGU. Há, ainda, 729 militares e pensionistas de militares com vínculo de agente público federal que receberam acima do teto constitucional (R$ 39.293,32) no período investigado, chegando-se a mais de R$ 5 milhões pagos ilegalmente.
Sistema eleitoral é seguro e ninguém apresentou provas do contrário
O Tribunal Superior Eleitoral tem dispositivos para atestar a segurança do sistema eleitoral, como o Teste Público de Segurança (TPS), realizado no ano que antecede as votações — é quando o sistema eleitoral é aberto a instituições como a Polícia Federal e a investigadores e especialistas para que procurem burlar o sistema. A urna nunca teve fraude identificada em 25 anos de existência.
A apuração dos resultados é feita automaticamente pela urna eletrônica logo após o encerramento da votação. Nesse momento, a urna imprime, em cinco vias, o Boletim de Urna (BU), que contém a quantidade de votos registrados na urna para cada candidato e partido, além dos votos nulos e em branco. Uma das vias impressas é afixada no local de votação, visível a todos, de modo que o resultado da urna se torna público e definitivo. Vias adicionais são entregues aos fiscais dos partidos políticos.
Na sede do tribunal, em Brasília, é feita contagem desses votos apurados nas urnas. Até a eleição anterior, os boletins das urnas eram transmitidos para os computadores dos tribunais regionais eleitorais, que totalizavam os votos e enviavam o resultado para o TSE.
Neste ano, o tribunal mudou o procedimento e centralizou a totalização dos votos em Brasília. A Polícia Federal afirmou em relatório concluído em 2018, após uma perícia no sistema eleitoral, que a centralização da totalização de votos das eleições no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) iria minimizar a exposição dos dados e teria potencial de melhorar “consideravelmente a segurança operacional” do sistema.