Injustiça no STF 2: A Inflação e o agravamento do abismo salarial entre Técnicos e Analistas Judiciários. 85% do Analista para Técnicos é a solução

Por Thiago Capistrano Andrade

A inflação prejudica todos os trabalhadores, mas, para quem já recebe salários mais baixos, ela pode ser um fator de desigualdade ainda mais profundo. Como resolver isso no PJU e MPU, onde a disparidade salarial entre cargos de natureza similar chega a quase R$ 9.000,00 por mês? Em um ano, o montante pode chegar a mais de cento e dez mil reais.

Veja em: https://www.fenajufe.org.br/uncategorised/agencia-de-noticias/artigos/injustica-no-stf-abismo-salarial-de-r-8-980-96-entre-tecnicos-e-analistas-judiciarios-85-do-analista-para-tecnicos-e-a-solucao-2/

Com o aumento dos preços de bens e serviços, todos enfrentam dificuldades, mas para quem ganha menos, a perda do poder de compra é muito mais acentuada. Isso acontece porque, embora os preços subam igualmente para todos, quem tem um salário menor precisa dedicar uma parte maior da sua renda para atender às necessidades básicas.

Por exemplo, se a mensalidade escolar de um filho sobe R$ 200 e o plano de saúde sobre R$ 100,00, esse aumento representa uma fração menor para um salário de quase nove mil a mais. Para quem recebe menos, vê-se forçado a buscar alternativas mais baratas ou de menor qualidade. Esse fenômeno se reflete em diversas áreas da vida cotidiana: saúde, educação, alimentação, lazer, segurança, entre outras.

Não se trata de questionar a lógica básica de que trabalhadores com funções diferentes devem ser remunerados de forma distinta. O que está em jogo aqui é a disparidade salarial entre os servidores do PJU e do MPU que desempenham atividades de natureza e complexidade semelhantes, mas cujos salários apresentam uma diferença gritante. Essa desigualdade é ampliada pela aplicação de reajustes lineares, o que exacerba os efeitos da inflação de maneira desigual entre os cargos.

Reposição de Perdas Inflacionárias x Manutenção do Status Quo

Para calcular as perdas inflacionárias, as entidades sindicais costumam usar marcos temporais baseados em reajustes passados. Por exemplo, a FENAJUFE, no caso do PJU, tem utilizado o reajuste de 2016, que foi parcelado até janeiro de 2019, para calcular as perdas inflacionárias desde então. Isso ocorre porque o reajuste de 2023, de 19,25%, não foi suficiente para recuperar totalmente as perdas acumuladas. A inflação registrada de 2019 e projetada até 2025, descontando-se o percentual do último reajuste concedido, acumulará ainda perdas de 20,3%, com projeções de que esse valor possa chegar a 27,5% até 2027, conforme dados do IBGE e do Comitê de Política Monetária (COPOM).

Ao usar percentuais elevados para justificar a reposição de perdas, busca-se sensibilizar a categoria e depois a Administração, os políticos e a sociedade para a questão. Contudo, essa abordagem pode ocultar uma realidade importante: a aplicação de índices iguais de inflação pode parecer justa e mais simples de negociar, mas esconde o efeito danoso do tratamento desigual com trabalhadores com menores salários e que desempenham atividades iguais ou semelhantes.

Vejamos no gráfico os reajustes lineares concedidos, desde da década de 1990, aos servidores do PJU, e o efeito do aumento do abismo remuneratório.

A estratégia habitual das negociações salariais utilizando o argumento das perdas inflacionárias é justa e tem fundamento. No entanto, no caso do PJU e MPU, é necessário, rever esse modelo para reduzir as desigualdades salariais entre os cargos que compõem seu quadro, que cresceu demais nas últimas décadas.

O Abismo Salarial entre os Cargos

Embora a reposição de perdas inflacionárias seja uma reivindicação legítima, no contexto do PJU e do MPU, o último reajuste de 19,25% resultou em um aumento de R$ 3.599,62 para os Analistas, enquanto os Técnicos receberam R$ 2.193,94, ou seja, uma diferença de R$ 1.405,68. Isso evidencia que, ao aplicar o mesmo índice percentual de reajuste, a diferença nominal entre os cargos se perpetua com tendência de crescimento.

Especialistas, como Regina Pacheco¹, alertam que esse tipo de reajuste linear agrava as distorções salariais. Ela observa que, no Brasil, o modelo de remuneração do setor público historicamente reforçou desigualdades entre os cargos de maior e menor qualificação, contribuindo para uma administração pública disfuncional. Vera Monteiro², da FGV, também defende que essas disparidades entre carreiras com funções semelhantes prejudicam a eficiência do serviço público.

O Governo Federal, por sua vez, tem começado a adotar medidas para corrigir essas desigualdades. Por exemplo, no caso da Polícia Penal Federal, o reajuste recente de 77,15% visou reduzir a disparidade com a Polícia Rodoviária Federal, que teve um reajuste de 27,48%, resultando em uma diferença final de apenas 15% entre os dois grupos. Esse tipo de política está alinhado com o objetivo de reduzir as desigualdades no serviço público federal.

Mudanças Necessárias: Uma Reestruturação Justa

O exemplo da Polícia Penal Federal ilustra um movimento em direção a uma estrutura remuneratória mais justa. Em outros contextos, como no Senado e na Câmara dos Deputados, a diferença salarial entre cargos de natureza similar foi reduzida com a aprovação das Leis nº 12.300/2010 e nº 12.777/2012. No Senado, a diferença foi reduzida de 35% para 24%, e na Câmara, de 35% para 20%.

Esses exemplos indicam que, para resolver as desigualdades salariais no PJU e no MPU, é fundamental revisar o modelo de reajuste utilizado. Manter um sistema linear, onde todos os cargos recebem o mesmo percentual de aumento, tende a perpetuar e ampliar as disparidades. O caminho para uma reestruturação de carreira mais justa deve passar por uma aplicação diferenciada de reajustes, levando em consideração as responsabilidades e complexidade de cada função.

Com vistas a essa situação, o anteprojeto de lei para reestruturação da carreira do PJU que foi apresentado ao STF e ao CNJ pela FENAJUFE prevê uma mudança do padrão remuneratório atual (100-60) para o padrão 100-85, que sugere redução das disparidades remuneratórias, passando a remuneração do Técnico, em valores nominais, a proporção de 85% da remuneração do Analista, reduzindo a absurda diferença atual de quase R$ 9 mil para cerca de R$ 5 mil, já considerando reajustes de perdas inflacionárias.

Conclusão: O Caminho para a Justiça Salarial

O objetivo deste texto não é diminuir a importância da reposição das perdas inflacionárias, mas chamar a atenção para o impacto dessa medida quando aplicada sob o mesmo índice a todos os servidores do PJU e do MPU. 

Como o desafio atual é o de reestruturar o sistema de remuneração de pessoal do PJU e MPU, é preciso que haja essa discussão transparente e franca sobre o problema da disparidade remuneratória entre os cargos para que os negociadores possam avançar em propostas que reflitam de maneira justa a complexidade das tarefas desempenhadas por servidores Técnicos e Analistas.

Portanto, tanto as entidades sindicais como a Administração, nesse processo, devem tratar com franqueza não apenas as perdas inflacionárias, mas a necessária distribuição mais equitativa dos recursos aplicados na compensação dos servidores, para que não se agrave mais a discriminação com o cargo de Técnico Judiciário. 

Por isso, uma das questões centrais do debate remuneratório nessa fase de reestruturação deveria ser: 

A aplicação de reajustes através de percentuais resolve ou agrava o problema da discriminação salarial no PJU e no MPU? 

Essa é a reflexão que todos os envolvidos e interessados devem fazer para garantir que a luta dos servidores não seja uma luta apenas por números, mas por justiça e reconhecimento do trabalho de todos, em especial por respeito à situação desigual dos Técnicos.

[1] PACHECO, Regina. Profissionalização, mérito e proteção da burocracia no Brasil. In: Burocracia e Política no Brasil. FGV: 2010, capítulo 7.

[2] MONTEIRO, Vera. Desigualdade salaria no setor público. Republica.org, 2024. Disponível em:  https://republica.org/2024/05/21/desigualdade-salarial-no-setor-publico-carreiras-com-mesmas-funcoes-mas-salarios-ate-25-vezes-menores/

Thiago Capistrano Andrade
Técnico Judiciário, Servidor do TRE-RN, Presidente da ANATECJUS e sindicalizado do SINTRAJURN.

Imprensa Fenajufe