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Como não cometer os mesmo e velhos erros?

Por Márcio Pochmann * – 21/02/05

O novo governo do Uruguai nem tomou posse ainda, mas já produziu matéria de fazer inveja a outros governantes do continente latino-americano. Desde a sua campanha eleitoral, em 2004, o então candidato Tabaré Vasquéz notabilizou-se por buscar a aglutinação de diferentes segmentos sociais em torno da construção de uma agenda voltada para o desenvolvimento social e econômico do Uruguai.

Para isso, assumiu como ponta de lança de um novo horizonte nacional, a consideração e recomposição dos segmentos sociais mais diretamente afetados pelo vendaval do neoliberalismo. Imediatamente após a eleição, já em plena etapa de formação da equipe de governo, o presidente eleito inovou novamente ao antecipar a agenda do desenvolvimento, como forma de aprofundar o diagnóstico e oferecer alternativas viáveis de execução com distintos integrantes da sociedade.

Muitas oficinas de discussão têm sido realizadas nas mais diferentes áreas. Nos dias 31 de janeiro e 1 de fevereiro do corrente ano, por exemplo, ocorreu uma dessas oficinas voltadas para o redimensionamento do projeto de desenvolvimento nacional, a partir das análises das experiências latino-americanas de adoção de políticas de emergência social.

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (ONU), convocado pela senadora e também indicada para o novo Ministério do Desenvolvimento Social Marina Arismendi, organizou um excelente encontro internacional com antigos e atuais gestores de programas sociais de emergência adotados em países como Argentina, Brasil, Chile, Cuba e México. Durante dois dias, diversos membros da equipe do novo governo do Uruguai (ministros, secretários executivos e técnicos), que somente tomam posse no dia 1 de março próximo, tiveram a oportunidade de fazer uma verdadeira sabatina a respeito da estratégia, execução e conteúdo dos diferentes programas de emergência social adotados nos países latino-americanos. Diante da diversidade da materialidade das políticas sociais, em que uma parte importante dos países latino-americanos segue a norma neoliberal das agências multilaterais de complementar renda, há que se separar o joio do trigo. Como se sabe, a década de 1990 foi, sobretudo, o período das reformas neoliberais, cujos resultados em termos sociais, especialmente no emprego foi uma catástrofe, mesmo em países com indicadores positivos de crescimento econômico.

Com a insustentabilidade dos regimes democráticos frente às políticas de liberalização comercial, produtiva, financeira, tecnológica e laboral, que levam ao aprofundamento da polarização social entre rico e pobre, com forte enxugamento das classes médias, ganhou ênfase a formação de uma nova aliança política entre os segmentos muito ricos e os muitos pobres. Na maior parte das vezes, a nova maioria vencedora tratou de compatibilizar programas de racionalização de gastos nas políticas universais como educação, saúde, habitação e transporte, geralmente defendidas pelos segmentos organizados da sociedade, como forma de viabilizar tanto a renda mínima a ganhadores do circuito da financeirização da riqueza, por intermédio das transferências financeiras, com altas taxas de juros, como a renda mínima a segmentos muito pauperizados. Sem emprego e perspectiva de mobilidade social, salvo aquela oferecida pela ilegalidade da prostituição, da criminalidade, tráfico humano e de drogas, certas agências multilaterais apóiam programas de complementação condicionada de renda.

De acordo com os participantes da oficina realizada no Uruguai, os programas de transferência de renda variam entre 1% (México) a 0,3% (Brasil) do Produto Interno Bruto. Com distintas ações e funções há detalhes importantes a serem feitas entre os programas do México e Chile e os da Argentina e Brasil, por exemplo. No primeiro grupo de países, os programas encontram-se mais próximos da ideologia neoliberal da focalização de recursos, enquanto no segundo, os programas estão um pouco mais distantes disso.

Diferenças mesmo em termos de objetivos voltados para a emancipação social e política, em que a política econômica transforma-se em parte integrante das ações integradas e matriciais de operacionalidade, foram localizadas nos programas de Cuba e da Prefeitura de São Paulo (2001 a 2004). Em síntese se tratam de ações governamentais que envolvem a inversão de prioridade, com o gasto público a serviço do avanço da infra-estrutura física no território em que se concentra o conjunto da população mais pobre. Por não se referirem a programas direcionados de pobre para pobre - que se distanciam da inclusão social -, os resultados apresentados em Cuba e no município de São Paulo convergiram com a perspectiva efetiva de enfrentamento da exclusão social em novas bases. Nesse mesmo sentido parece seguir as ações do governo de Chávez na Venezuela, com amplas programas matriciais nas áreas da saúde, educação, infra-estrutura, emprego, entre outras. Bem, mas isso é algo para ser tratado em outra oportunidade.

Em resumo, as informações aqui apresentadas apenas indicam a correta preocupação do novo governo de Uruguai em não procurar cometer os mesmo e velhos erros, que tradicionalmente acompanham as gestões públicas na área social, especialmente aquelas oriundas da linha política de centro-esquerda. O governo Lula, por exemplo, parece ter aprendido pouco sobre isso, uma vez que deixou em segundo plano o aprendizado acumulado desde 1982 nas experiências municipais e estaduais exitosas na área social. Ao contrário da área econômica, que tem equipe e coordenação, com metas e cronogramas, a área social segue o jogo incerto e errôneo da ausência de coordenação do conjunto da área social. Sem diagnóstico comum, opera, na maioria das vezes, sem metas e cronogramas, em meio à lógica da competição interburocrática, em que a soma das partes não resulta necessariamente num todo maior.

Conforme o governo uruguaio, o novo ministério do desenvolvimento social não representa mais um ministério, mas sim a institucionalidade governamental necessária para a integração e matricialidade dos programas de emergência social no conjunto do governo. Para atender aos segmentos sociais desfalecidos pela política neoliberal, há uma emergência da ação pública que, ao reconhecer a sua existência, buscará oferecer o atendimento cidadão de curto e longo prazos. Este primeiro momento da política pública deve contemplar imediatamente a semente da emancipação social, política e econômica. Ainda conforme a futura ministra do Desenvolvimento Social, os excluídos devem ser também os protagonistas das políticas sociais, não meros repositórios passivos, quando não clientelas do dependentismo político e paternalista, a que têm sido continuamente submetidos por políticas sociais estigmatizantes, conduzidas pelos princípios individualistas do neoliberalismo predominante na América Latina.

É nesse contexto que o novo governo do Uruguai poderá deixar de cometer velhos erros. Ao longo deste ano, o acompanhamento de sua performance dirá o quanto isso deixou de se uma retórica para se transformar em realidade efetiva.

* Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp.

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