O 13 de maio e a pseudo abolição da escravatura

O dia 13 de maio é tido no Brasil como o dia da libertação dos escravos, em que, por um ato da Princesa Isabel, as negras e negros escravizados foram libertos do jugo das correntes e do aprisionamento que durou mais de três séculos.

Todavia, todos sabemos, e particularmente, nós negras e negros, o quão irreais foram os benefícios dessa libertação, que, ao final e ao cabo, representou o completo desamparo do povo preto, sem direito à terra (com a edição da Lei de Terras, assinada em 18 de setembro de 1850, que regulamentou, principalmente as terras rurais, dificultando o acesso pelas pessoas de baixa renda e isso somente duas semanas após a Lei Eusébio de Queiróz) ou ao emprego, com a substituição da mão-de-obra negra pelo estímulo à imigração europeia.

Mais de um século depois, esse cenário de flagelação social do povo preto ainda persiste em nosso país. Em um contexto de 203 milhões de habitantes, com 112 milhões de pessoas se declarando preta ou parda. (https://censo2022.ibge.gov.br/panorama/?utm_source=ibge&utm_medium=home&utm_campaign=portal), a média do rendimento-hora de uma pessoa preta ou parda é de R$11,20, enquanto de uma pessoa branca é de R$19,00 (https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pesquisa/10091/93473).

No Poder Judiciário, esse cenário não é diferente, em que o quadro de servidores é composto somente com 4,6% de pessoas pretas e 24,5% de pessoas pardas (Dados do Censo do CNJ de 2023).

Ou seja, se em 13 de maio de 1888 deixamos de ser propriedade dos senhores de escravos, hoje nosso jugo é imposto pelo sistema econômico que estrutura a sociedade capitalista que vigora no país, com a permanência da exclusão social do povo preto.

E cabe a nós, representantes das trabalhadoras e dos trabalhadores, se colocar como resistência desse cenário social e não se omitir em responder ao questionamento desse povo preto, retratado primorosamente pela nossa saudosa Carolina Maria de Jesus em seu poema que declamou no II Congresso Estadual de Vereadores ocorrido entre 1º a 3 de dezembro de 1960, em Porto Alegre/RS, mulher negra, neta de escravos e filha de uma lavadeira, que mesmo sem acesso ao estudo acadêmico, ousou em sonhar em ser escritora.

“O Colono e o fazendeiro” (Carolina Maria de Jesus)

Diz o brasileiro!

Que acabou a escravidão

Colono sua o ano inteiro

E nunca tem um tustão.

Se o colono está doente

É preciso trabalhar

Luta o pobre no sol quente

E nada tem para guardar.

Cinco da madrugada

Toca o fiscal a cornêta

Despertando o camarada

Para ir para a colheita

Chega a roça. O sol nasçer

Cada um, na sua linha

Suando e para comêr

So feijão, e farinha

Nunca pode melhorar

Esta negra situação

Carne não pode comprar

Pra não dever ao patrão.

Fazendeiro ao fim do mês

Da um vale de cem mil reis

Artigo que custa sêis

Vende ao colono por dez

Colono não tem futuro

E trabalha todo o dia.

O pobre não tem siguro

E nem apossentadoria

Ele perde a mocidade

A vida inteira no matto

E não tem sociedade

Onde está o seu sindicato?

Passa o ano inteiro

Trabalhando. Que grandêza

Enriqueçe o fazendeiro

E termina na pobreza

Se o fazendeiro falar:

Não fique na minha fazenda

Colono tem que mudar

Pôis não ha quem o defenda

Organisa um sindicato

Para o infausto colono

Que passa a vida no matto

Sem recurso no abandono

Colono quer estudar

Adimira o saber do patrão

Que deve lhe estimular

Dando-lhe instrução.

(Poema transcrito dos manuscritos originais da escritora – Casa de alvenaria, volume I: Osasco/Carolina Maria de Jesus – 1ª ed. – São Paulo:Companhia das Letras, 2021 – fls. 162/164).

 

* O texto foi construído e assinado pela Coordenação de Opressões

Jornalista da Fenajufe