Gestão de pessoas e de processos no ambiente cartorário

Este artigo é de inteira responsabilidade do autor, não sendo esta necessariamente a opinião da diretoria da Fenajufe

 

O tempo de tramitação de processos judiciais é reiteradamente apontado como um dos maiores obstáculos da Justiça brasileira. Contudo, o ritmo do tempo de tramitação quem dita são os Cartórios Judiciais, o que tem recebido pouca atenção nos debates sobre a melhoria dos serviços judiciários. Assim, o que se procura saber é: que realidade existe por detrás dos balcões dos fóruns? Como estão organizadas e como funcionam as serventias judiciais? Que boas práticas geram efeitos de aumento e diminuição do tempo de tramitação dos processos? Quem administra (ou deveria administrar) o cartório judicial? Uma gestão de pessoas e de processos tem possibilidades de melhorar o tempo de tramitação processual? Essas são algumas das questões para as quais este artigo buscou trazer elementos esclarecedores.

Com efeito, há mais de 14 anos exercendo o cargo de Diretor de Secretaria me habilita a expor algumas considerações no tempo sobre as indagações supracitadas e, ainda, sobre gestão de pessoas e de processos no ambiente cartorário; sobre o desenvolvimento de ações educacionais que visam o aprimoramento profissional; sobre as políticas de comprometimento na capacitação gerencial com foco em conhecimento, habilidades e atitudes (o famoso “CHA”), tendo como parâmetro o antes e o depois da criação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ.

Em tempos remotos, o papel de gerir o cartório judicial (aqui no Distrito Federal) era (e ainda é) desempenhado pelo Diretor de Secretaria. Ele é quem geria os processos de trabalho, quem ditava as regras internas do seu Cartório. Não havia intensa interferência externa; não havia rígida avaliação de desempenho; não havia controle rigoroso dos indicadores de produtividade. As tarefas eram as mesmas para um só servidor que a ele eram atribuídas anos a fio. Não havia rodízio de atividades e não havia incentivo algum tanto interno quanto externo da administração superior. Isso gerava transtornos individuais e coletivos no espaço ocupacional, que em nada ajudavam na aceleração da prática dos atos processuais. Pelo contrário, deixavam clara uma imperfeita e ineficaz organização cartorária.

Nesse tempo, os métodos e técnicas administrativos, operacionais e organizacionais eram diversos em cada uma das serventias. A rotina cartorária era essencialmente manual e cada Cartório, por sua vez, tinha um modo de proceder e de cumprir as ordens emanadas dos Meritíssimos Juízes. Ordinariamente, tinha-se que os processos, quando inicialmente distribuídos às Varas, eram registrados no antigo “Livro tombo”. As ditas “iniciais” eram autuadas por um servidor designado dentro do Cartório que tinha a incumbência de colocar a capa, numerar as folhas e enviar os autos ao Sr. Diretor para revisão, assinaturas e posterior conclusão. O tempo para finalizar tal procedimento – desde o registro no Livro Tombo até a conclusão, dependia única e exclusivamente do senhor Diretor de Secretaria.

Além disso, a rotina cartorária não era informatizada e não havia um controle efetivo por parte dos Magistrados quanto à rapidez, ou não, da prática dos atos processuais. A distribuição de feitos era por sorteio e, posteriormente, publicada no Diário da Justiça. Os atos praticados eram registrados em livros próprios e, de igual modo, eram registradas as sentenças proferidas e as audiências realizadas. Os Juízes não tinham, por isso, nenhum controle dos feitos que entravam e/ou saiam de tramitação, pois só sabiam da distribuição do processo quando chegava a sua mesa para o despacho inicial, o que não os impedia de observar as datas constantes nos autos, visto que, mesmo sendo tudo manual, as normas procedimentais não dispensavam o rigor formal do registro de todas as datas dos atos praticados. Ora, se a Inicial demorou um mês para ser autuada e outro mês para chegar ao seu gabinete, não despertava, à época, nenhuma atenção criteriosa, a não ser dos jurisdicionados, únicos prejudicados.

Noutra fase, despachada a Inicial, os autos retornavam à Secretaria e, às vezes, ficavam vários dias em algum escaninho à espera de alguém para impulsioná-los. Com o impulso, alguns outros dias para o efetivo cumprimento das determinações contidas no despacho, na decisão e/ou na sentença proferidos. Enfim, a prática dos atos processuais era aos poucos sendo protelada naturalmente dentro da Secretaria do Juízo, retraindo o ritmo do tempo de tramitação dos processos. Se, por um lado, o Juiz despachava rápido, por outro o processo “empacava” na rotina cartorária. Então, se o gabinete do Juiz e o Cartório não tinham o mesmo ritmo, toda a atividade cartorária era procrastinada.

Com essa falta de sintonia, de informatização e de maior empenho, os processos ficavam paralisados nos escaninhos à espera dos impulsos necessários para o devido andamento, o que fortalecia a morosidade da justiça por detrás dos balcões dos cartórios judiciais.

Com o passar do tempo, e com a criação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, as transformações foram ocorrendo no âmbito das Corregedorias dos diversos tribunais do país, inclusive, as relativas à gestão de pessoas e de processos, na medida em que, hoje, nós do Poder Judiciário somos movidos por expectativas, encorajados a atingir metas e níveis de desempenho, e os desafios são incontáveis: gerar inovação com rapidez; diferenciar-se cada vez mais; aprender a lidar com as particularidades de cada um, inclusive, do Juiz; às vezes delegar competências; focar o desempenho em equipes; adquirir, produzir e compartilhar informações e conhecimento; gerar comprometimento; investir na qualificação e lidar com restrições de toda ordem. E o maior desafio é tentar aplicar os fundamentos para a mesma equipe (formação de uma equipe de alto desempenho), o que se torna difícil alcançar pela grande rotatividade de gestores e servidores, talvez, pela insatisfação, hoje, com a carreira.

E para ficar mais complexo o espaço ocupacional dos cartórios, os gestores lidam com três diferentes grupos de servidores: o primeiro grupo refere-se àqueles que recebem gratificação; o segundo grupo, aqueles servidores antigos (ditos estáveis) que não recebem gratificação e o terceiro grupo, por sua vez, são aqueles servidores novos (em estágio probatório) que, também, não recebem gratificação (quando não são chamados de logo a exercerem função), mas, por outro lado, chegam com toda a vontade de fazer a diferença.

Há todo um esforço, hoje, no sentido de oferecer a todos os servidores e, especialmente, aos gestores, diversos cursos de aperfeiçoamento, tanto na área fim, como na área meio, de modo a qualificá-los para uma melhor prestação de serviço judiciário. Realizam-se ações educacionais nas áreas específicas de Gestão de Pessoas (presencial e à distância), Gestão de Processos, Gestão Pública, Planejamento e Administração Estratégica, dentre outras. Na área de conhecimento transversal desenvolvem-se ações educacionais de Comunicação e relações interpessoais. Criam-se manuais e sistemas para que um determinado processo de trabalho, ou um determinado procedimento seja igual para todos os cartórios de igual ou de diferente competência. Com isso, procura-se uma sintonia com que há de mais moderno em termos de gestão de pessoas e de processos. E todos são diariamente incentivados a participar.

Desde a criação do Conselho Nacional de Justiça com a imposição de metas a serem atingidas, houve uma pressão muito grande, dentro da administração judiciária e, consequentemente, em todos os ambientes de trabalho, no desenvolvimento de políticas de comprometimento dos servidores na capacitação individual e organizacional. O problema maior é compatibilizar e harmonizar o interesse dos três grupos de servidores acima descritos. Os que recebem gratificação, por si só, se sentem mais motivados a abraçar e aproveitar as oportunidades de capacitação disponibilizadas pela Administração (que são muitas) e são divulgadas incessantemente pelos canais internos de comunicação de cada Tribunal, até porque tal capacitação é requisito indispensável para manter a função desempenhada (principalmente os Diretores de Secretaria). Por outro lado, aqueles servidores antigos (ditos estáveis), conquanto sejam influenciados pela administração, não se sentem pessoalmente motivados; a uma, porque não recebem nenhum incentivo monetário; a duas, porque muitas das vezes estão a poucos anos da aposentação; a três, porque não tem nenhum tipo de intenção de crescer e se capacitar dentro da organização.

Acredito que os gestores que lidam com esse grupo de servidores (antigos) devem dispensar tratamento especial a eles no sentido de que não percam o liame motivacional com a organização (que também deve dispor de outros meios para motivá-los e reanimá-los). Aqueles servidores novos chegam cheios de vontades e procuram maior espaço dentro do ambiente de trabalho, incentivados que são pela competitividade profissional. Então, o aumento da pressão sobre os servidores não é em vão, pois a administração dá em contrapartida as condições concretas para desenvolverem-se profissional e pessoalmente dentro e fora dela. Essa troca, a depender de cada um, poderá resultar no enfrentamento de novos desafios. O Esforço conjunto que ocorre, hoje, evidencia a troca de competências, por meio de projetos de capacitação, transferindo patrimônio aos servidores, enriquecendo-os e preparando-os para enfrentar sempre novas situações profissionais e pessoais, sendo a recíproca verdadeira.

A teoria adquirida nos diversos cursos concluídos dentro do Tribunal, aliado à prática na gestão de pessoas e de processo nos leva a enfatizar que os Diretores de Secretaria, hoje, têm um papel importante na dinâmica cartorária, e ele (o Diretor) além de ser um bom técnico (conhecedor dos ritos processuais e procedimentais) precisa ser capaz de gerir uma equipe e produzir resultados, mediar conflitos, desenvolver relacionamentos para obter apoio e promover mudanças quando necessário. E as pessoas aprendem ao mudar. Às vezes, as mudanças causam uma expectativa nos servidores, mas se concretizada harmonicamente, as expectativas transformam-se em resultados positivos. Então, acredito que o Diretor de Secretaria (gestor de pessoas), além de um administrador, é também um educador e, como tal, gerencia competências e promove inovação no ambiente de trabalho.

Por conta disso, pode-se dizer que é imprescindível o gestor atuar de forma estratégica, tanto para dentro da sua própria unidade, como para uma integração com uma ou mais áreas do saber e, até mesmo, desenvolvendo as suas competências com todas as suas variáveis e implicações, de modo a tornar-se, cada vez mais valioso para si, para a equipe e, sobretudo, para a organização. Entretanto, há algumas atitudes que ajudam a fortalecer a imagem do gestor de pessoas: desenvolver o trabalho onde outros não querem. Aprimorar-se principalmente naquelas tarefas ostensivas e desafiadoras; aprender os segredos do “KING”. “Know yourself. Know Others. Identify the issues; name your team; set goals and get going” . Em Português “conheça você, conheça os outros, identifique as questões; forme sua equipe e fixe objetivos e vá em frente”. Saiba impactar, pois devemos desenvolver uma imagem positiva. Um simples sorriso abre portas. A vitória deve ser perseguida sempre. A derrota serve de aprendizado de como fazer correto da próxima vez e, acima de tudo, ser ÉTICO, estar consciente de seu papel que deve ser dentro dos mais rigorosos preceitos legais e de profundo respeito pelo próximo, qualquer que seja a sua posição dentro da organização.

A falha está na ligação entre desenvolvimento e remuneração, visto que há uma pressão muito grande no desenvolvimento pessoal e profissional sem a contrapartida da remuneração justa, pois não há gratificação para todos, sendo ela (a gratificação) distribuída para poucos, gerando grandes conflitos dentro do ambiente de trabalho. O espaço organizacional dentro de qualquer Unidade é muito difícil de compatibilizar a considerar, também, a existência daqueles três grupos de servidores alhures comentados. É que, essencialmente, aquelas tarefas mais complexas e de maior responsabilidade são atribuídas àqueles que recebem gratificação para tanto.

De mais a mais, como integrante da área fim do Poder Judiciário, entendo serem fundamentais duas competências para o Diretor de Secretaria: gestão de pessoas e gestão de processos, até porque, quando bem estruturadas, levam a excelência na prestação de serviços judiciários. Isso porque, ditas competências atingem diretamente o público-alvo (o cidadão-usuário-jurisdicionado), por isso, merecem um tratamento especial. Assim, ambas são fundamentais para o aprimoramento da prestação jurisdicional. E com todos os obstáculos ainda existentes, há um esforço nesse sentido de modo a trazer benefícios sob o aspecto da acessibilidade, celeridade e efetividade processual, inclusive a tão sonhada implementação do “processo digital”.

Aqui, não se está querendo ensinar práticas de auto-ajuda, mas se não se trata de qualquer das competências acima listas, tratam-se de atitudes e habilidades que ajudam em muito no sucesso da realização de qualquer tarefa dentro da organização. Devemos, sim, ser possuidores de competências essenciais, sem as quais, em lugar nenhum chegaremos. Mas, acima de tudo, devemos saber preservar a nossa imagem, sem a qual também, porquanto possuidores de todas as competências, muitas dificuldades surgirão.

A procura crescente do Poder Judiciário, tanto por parte dos cidadãos, como por parte do Estado, tem acarretado um aumento em proporções geométricas no volume de processos em tramitação e, consequentemente, no número de litígios a serem dirimidos e, quando a isso, diversas soluções para o problema do aumento de volume de processos têm sido pensadas em todo o Judiciário, com algumas inclusive já colocadas em prática. Aí se inserem a gestão de pessoas e a gestão de processos.

As ideias estão voltadas não só para a criação de leis que tornem o trâmite dos processos mais dinâmico, mas também para a criação de programas de treinamento de servidores, tanto na área do Direito como em diversas outras: Administração (gestão de pessoas), por exemplo e, por fim, busca-se a modernização do processo judicial e dos ritos procedimentais, atos e programas a eles vinculados, através da implementação constante e crescente da tecnologia da informação e comunicação. A proposta da gestão do processo judicial e de processos é trazer maior acessibilidade, celeridade e efetividade processuais; pois, de fato, quanto mais acessível, célere e efetiva for a prestação jurisdicional, mais próxima o Poder Judiciário está de seu ideal maior, ou seja, distribuir justiça, com o máximo de excelência.

No Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, são facilmente identificáveis os aspectos da gestão de desempenho por competências, na qual se define o que se pretende alcançar em um futuro próximo, bem como os atributos positivos que deverão ser seguidos. Estabelecem-se os objetivos estratégicos e as ações institucionais, delineando-se as metas que deverão ser alcançadas em prazo determinado e os indicadores de desempenho que acompanharão a execução, mapeando-se conhecimento, habilidades e atitudes (“CHA”) a cada cargo – competências gerais, específicas e individuais, de modo a subsidiar as ações de capacitação de gestores e servidores com foco no alcance dos objetivos respectivos.

Dessa forma, a prestação jurisdicional de excelência pode ser alcançada quando se está em ambiente de trabalho constituído de uma equipe unida e comprometida; quando os processos são despachados, decididos e sentenciados de forma célere; quando as audiências são designadas em no máximo 30 (trinta) dias; quando há um perfeito e completo alinhamento entre o Gabinete e a Secretaria do Juízo; quando o Diretor de Secretaria aplica de forma completa a Portaria que lhe dá poderes para a movimentação dos processos; quando o cumprimento das determinações judiciais seja concretizado em tempo hábil e com a utilização integral dos sistemas informatizados disponibilizados; quando há uma conferência constante de todos os escaninhos; quando as juntadas sejam realizadas, de preferência, no mesmo dia do protocolo e o impulso respectivo procedido com rapidez, respeitando-se os prazos legais para a expedição de todos os documentos; e, sobretudo, quando os objetivos são voltados a criar engajamento, criatividade e iniciativa nos membros da equipe.

Assim, tem-se que as boas e as más práticas cartorárias, as formas de gestão do trabalho e de pessoas, a organização e funcionamento dos cartórios judiciais viabilizam a simplificação de processos de trabalho; dinamizam o gerenciamento de servidores com o rodízio de tarefas; uniformizam procedimentos; diminuem o tempo médio de tramitação dos feitos e, por conseguinte, trazem a participação do magistrado com a máxima dedicação e motivação possíveis, cujo exemplo parte de cima para baixo que, alinhados, proporcionam uma justiça efetiva, célere e acessível, além do que contribui para uma governança judiciária a partir do princípio da razoável duração do processo e da eficiência administrativa, com enfoque em novos paradigmas da administração judiciária.

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