Por Adilson Luiz Gonçalves* – 02/02/06
A prática de nomear parentes para cargos públicos é muito mais antiga que a definição da palavra nepotismo. A desculpa sempre foi: afinidade e lealdade pessoais, embora isso não garantisse, necessariamente, conduta ética e moral, perante o povo. Prova disso é que essa “afinidade” está, normalmente, associada a outros tipos de favorecimento, tais como: relevar incompetências, perdoar deslizes e, principalmente, afetar decisões.
Dependendo do status de quem nomeia, isso pode ter conseqüências desastrosas, que prejudicam a credibilidade de instituições que deveriam estar acima de qualquer suspeita. No caso de monarquias, ditaduras e empresas familiares o nepotismo é, até, compreensível; mas quando se trata de instituições públicas, em regimes democráticos, sobretudo no âmbito jurídico, ele é injustificável.
Não é esse tipo de “cegueira” que o povo espera da Justiça, e há várias razões para isso: uma delas é a natureza desse modelo de governo: igualdade para todos. Bem distante da adaptação oportunista suína, descrita por Orwell, em “A Revolução dos Bichos”. Afinal, se o poder emana do povo, não pode ser exercido a sua revelia ou para o benefício de poucos. Utopia… Outra é a existência dos concursos públicos: se o parente é, de fato, competente, não terá problemas para conquistar a vaga num processo seletivo honesto.
Assim sendo, não há como sustentar essa prática nefasta, em qualquer área, ainda mais no Poder Judiciário. Afinal, aproveitar de uma tradição espúria, como se fora uma prerrogativa de cargo, ou direito adquirido, não se coaduna com a conduta ilibada que todo o magistrado deve demonstrar perante a sociedade. De fato, como alguém pode ser justo, quando se vale de injustiças para proveito próprio ou de parentes?
Infelizmente, o manto da justiça “cega” alguns, que perdem essa noção imprescindível de democracia. Estes, ofuscados pelo poder secular, sentam em seus “tronos”, e se julgam infalíveis, imaculados e intocáveis. São implacáveis com os que julgam. Mas esquecem de todos esses rigores quando se trata de beneficiar seus interesses e afetos. Transformam em “patrimônio e tradição familiares” o que deveria ser acessível a todos, por competência e merecimento. Confundem organogramas funcionais com árvores genealógicas. Talvez pensem, data vênia: “Parente também é povo!”. Só que nomeação arbitrária para cargos públicos não pode ser considerada como um mimo ou uma herança.
Felizmente, parecem ser pouquíssimos os adeptos desse expediente injusto.
Consciente dessa incongruência, moral e ética, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), emitiu, recentemente, uma resolução que proíbe o nepotismo no Poder Judiciário… Ora, viva! Que belíssimo exemplo esse, que dá força, inclusive, para que a opinião pública pressione os demais poderes a adotar o mesmo procedimento. Isso seria “justo, muito justo, aliás, justíssimo”.
Surpresa. Juízes de vários Estados concederam liminares contra essa resolução. Alegaram que ela é inconstitucional.
Será que o CNJ desconsiderou a Carta Magna? Será que as leis brasileiras são, propositalmente, ambíguas? Será, então, que o nepotismo é constitucional? Se for, está ferido o maior de todos os preceitos da Constituição: o da igualdade.
Infelizmente, não há júri popular para dar veredicto, nesses casos; como não há plebiscitos, quando o assunto é criação de impostos, aumento de alíquotas ou da remuneração de nossos representantes no Executivo, Legislativo e Judiciário.
Assim, os interesses corporativos e familiares, de poucos, continuam privilegiados, em detrimento dos interesses públicos. E o Poder Judiciário, como, no mais, todos os outros, é, salvo erro de juízo, um poder público, ao menos na Constituição.
Inconstitucional é, como no caso do nepotismo, transformar o público em privado, qualquer que seja a instância democrática!
*Adilson Luiz Gonçalves é escritor, engenheiro, professor universitário e mestrando em Educação. Autor do livro: “Sobre Almas e Pilhas”, Editora: Espaço do Autor.