Servidoras do Poder Judiciário da União (PJU) e do Ministério Público da União (MPU) se reuniram em Brasília, neste sábado (30), no 3º Encontro Nacional de Mulheres do PJU e MPU desta gestão. Entre os temas debatidos: a atual conjuntura política e econômica, as relações de trabalho, as violências de gênero e a importância da participação das mulheres nos espaços políticos e sindicais.
A mesa de abertura do Encontro contou com a participação de Juscileide Rondon e Elcimara Souza, diretoras da Fenajufe, entidade organizadora do evento. Elas reforçaram a importância do espaço para a troca de experiências entre as servidoras públicas, além de promover o debate de gênero e, ainda, a organização das mulheres contra os ataques oriundos do governo de Jair Bolsonaro.
O primeiro painel debateu “Conjuntura, relações de trabalho e atuação política e sindical da mulher”. Marilane Teixeira, economista e pesquisadora na Unicamp, fez um apanhado histórico do sistema financeiro no mundo e como ele mudou nas últimas décadas com a abertura econômica, a inserção do país na globalização financeira e a adoção de políticas neoliberais que contribuíram para a flexibilização da jornada de trabalho, precarização das relações de trabalho e a baixa remuneração das trabalhadoras.
De acordo com a economista, o Estado mínimo tem servido única e exclusivamente aos interesses do Capital e do sistema financeiro. “Não é só um estado mínimo, mas sim um estado de privilégios, porque ao mesmo tempo, você retira recursos de programas de políticas públicas, mas mantém intactos os privilégios das forças armadas, por exemplo.”
Marilane explicou que o ajuste fiscal e o sistema da dívida pública, que consome a maior parte do orçamento federal, são ferramentas de sustentação desse modelo econômico. “O capitalismo não tem interesse em acabar com a dívida pública, porque é essa dívida pública que alimenta essa ciranda. Você enxuga o orçamento, reduz os gastos públicos, e continua pagando os juros da dívida pública”. Ela cita, ainda, a aprovação da Emenda Constitucional 95/16, do Teto dos Gastos, e as reformas trabalhista e previdenciária, que beneficia os setores patronais privados e a Medida Provisória 905, que ataca diversos dispositivos da CLT.
Para Marilane Teixeira é necessário unidade e ação conjunta para reverter esse cenário posto. “A luta das mulheres não começou agora. Temos um movimento feminista muito forte e capaz, então nós temos que nos aliar com os oprimidos, movimentos sociais, sindicais e de mulheres. Essa luta é nossa.”
Juliana Iglesias Melim, professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), agradeceu a presença de todas as mulheres que ali estavam e ressaltou as dificuldades das mulheres de participarem de espaços sindicais por conta do acúmulo de funções, muitas vezes assumindo duplas e triplas jornadas,portanto a reprodução social da vida , sem contrapartidas. A docente também homenageou a estudante e militante quilombola, Elitânia Souza, estudante de Serviço Social da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), que foi vítima recentemente de feminicídio.
Juliana Iglesias Melim citou os dados divulgados pela Organização das Nações Unidas (ONU), na última terça-feira (26), que aponta que 1 de cada 5 mulheres relataram violências física ou sexual de seus companheiros nos últimos 12 meses. Já no Brasil, segundo a docente, a cada 4 minutos uma mulher sofre violência física. Em 2018, foram registrados mais de 145 mil casos de violência física, sexual e psicológica sofridas por mulheres.
“Além da violência sexual e física contra as mulheres, a violência também se expressa na desigualdade salarial, nas jornadas extras de trabalho, nos altos índices de desemprego, na falta de acesso à saúde e educação de qualidade, de moradia, às condições dignas de vida, na criminalização do aborto, que condena milhares de mulheres todos os anos”.
Juliana afirma que, apesar da atual conjuntura de aprofundamento dos ataques aos direitos da população, as desigualdades no país são estruturantes. “As desigualdades são resquícios de um Brasil patriarcal e racista, marcado por mais de 300 anos de escravidão e de longos anos de ditaduras Vargas e a empresarial-militar. Um país que sempre negou os direitos da população e tratou com repressão as lutas sociais.”
Ambas as expositoras ressaltaram como preocupante o pacote econômico do ministro Paulo Guedes, que tem intensificado os ataques à classe trabalhadora e, especificamente, aos servidores e serviços públicos.
Da plateia, as participantes do encontro, levantaram questões de como o machismo está enraizado, inclusive, nas estruturas dos sindicatos que são dirigidos, predominantemente, por homens. Algumas mulheres rechaçaram o argumento utilizado por homens de que as pautas identitárias desmobilizem a luta de classes. Para elas, as lutas pelos direitos das mulheres, negras e LGBT tem mobilizado a população a sair às ruas e são pautas de vanguarda.
Para encerrar a manhã do encontro, a MC Debrete – poetisa, autora de livros e arte-educadora – apresentou suas rimas e poesias sobre o papel da mulher negra e LGBT.
Violência: do assédio ao feminicídio
A violência de gênero é uma realidade brasileira e precisa ser enfrentada, segundo as expositoras do painel “Violência: do assédio ao feminicídio”.
Segundo Danieli Balbi, professora de comunicação e realidade brasileira na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é de extrema importância à luta pela emancipação das mulheres em todos os espaços de convivência, principalmente, nos de decisão.
“O objetivo de um grupo que chega ao poder é se perpetuar neste espaço enquanto detentor de recursos e cooptar entre os perdedores aqueles que constroem o senso comum de validação. O velho mecanismo que chamamos de hegemonia”.
Balbi explica que o patriarcado é a estrutura de uma sociedade capitalista desigual e injusta, e a exploração e a divisão das trabalhadoras e trabalhadores tem fundamento misógino. “O fascismo reaparece na crise econômica, é a fase detratória da crise do capitalismo e ele opera pela misoginia”.
Segundo Danieli Balbi, o machismo está aprofundado na estrutura da sociedade e as mulheres precisam lidar com a violência todos os dias. “O mais aterrador é que a dinâmica da relação que nós estabelecemos é baseada em um elemento tácito que é o machismo, que é a eleição da figura masculina, que são sempre homens cis, héteros, brancos de extração de classe dominante há muitos anos e isso reflete nos espaços de poder. As práticas de relação entre nós, mulheres, e estes indivíduos na estrutura social, no trabalho, são práticas de silenciamento, e temos dificuldades de nos emponderar e nos fazer ouvir”.
Já Samantha Guedes, professora da Rede Municipal de Educação do Rio de Janeiro, no complexo da Penha, exibiu um vídeo impactante com casos de mulheres vítimas de violência. A professora contou um pouco da violência doméstica vivida para as mulheres presentes no Encontro. Para ela, existe uma validação social para a violência contra a mulher.
“Eu tive um pai e uma mãe que me deram apoio e aquelas mulheres que têm filhos e não tem emprego? Quando uma mulher faz uma denúncia contra o seu agressor, não tem medida protetiva. Nós, mulheres, estamos à mercê de tudo, da violência moral, sexual, patrimonial e física”. Samantha Guedes afirma que a violência no Brasil tem gênero, raça e classe. “A violência atinge, em cheio, as mulheres negras e pobres”. Ela citou dados do Disque 180, que divulgou 46,5 mil denúncias de violência contra a mulher no primeiro semestre de 2019.
“Vivemos um retrocesso muito grande dos nossos direitos. Nós poderíamos ter tido políticas que não criminalizassem o aborto, o nosso kit contra a homofobia, pois não basta apenas ter uma legislação específica, temos que ter políticas públicas, para termos uma sociedade de fato sem machismo, racismo e lgbtfobia”, enfatizou.
Logo após, foi aberto espaço para a plateia. Muitas das inscritas contaram casos particulares de violência doméstica, de assédio moral e sexual, casos de feminicídio na família, entre outras experiências. Mais cedo, ocorreu uma vivência com Damelis Castillo, cantora e compositora venezuelana, que falou um pouco da diversidade cultural dos povos latino-americanos.
Grupo de Trabalho
As servidoras do Poder Judiciário da União (PJU) e do Ministério Público da União (MPU) se reuniram em grupos de trabalho após as mesas de debate para apontar encaminhamentos. Quatro eixos permearam as discussões: Relações de trabalho, assédio no trabalho, participação das mulheres nos movimentos políticos e sindicais e o desmonte do serviço público.
Encaminhamentos
Após longos debates, as trabalhadoras do PJU e MPU encaminharam algumas propostas. Sobre gênero e raça, as servidoras propuseram que a Fenajufe viabilize a implementação urgentemente o coletivo de mulheres, para execução das decisões do X CONGREJUFE e análise dos encaminhamentos discutidos neste encontro, indicando aos sindicatos da sua base, e que nas delegações para os eventos da Fenajufe seja observada a paridade de gênero e raça.
Outro encaminhamento é que a entidade oriente os sindicatos a informar a população sobre a destruição dos serviços públicos, sob a batuta do governo Bolsonaro. Um espaço de acolhimento, assessoria jurídica e acolhimento psicológico nos sindicatos e tribunais, em casos de assédio moral, também fizeram parte das reivindicações das servidoras. Entre outros encaminhamentos aprovados apontaram a realização de curso de formação anual com temáticas que dizem respeito às mulheres.
Acompanhe no site e pelas redes sociais da Fenajufe, mais informações sobre o Encontro das Mulheres nas próximas matérias.