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Saída para barrar ataques aos direitos do servidor é política, através da mobilização no Congresso e nas ruas

Sindicatos

Conclusão foi apontada no Seminário Reforma Administrativa no Serviço Público Federal, realizado na terça-feira (3/12) pelo Sisejufe, na sede do TRE-RJ. Ao final da matéria, leia nota técnica da assessoria jurídica

 
 

“A gente está aqui para explicar o que significa esse pacote de reformas que o governo está apresentando e o quanto isso vai impactar para os servidores, para o serviço público e para a própria sociedade que é quem utiliza os serviços públicos. Queremos mostrar tecnicamente o que está em jogo, o que está posto na mesa para que, a partir disso, possamos pensar, nos mobilizar e buscar alternativas para fazer frente a tudo isso”. Com essa fala, a secretária geral do Sisejufe, Fernanda Lauria, abriu o Seminário Reforma Administrativa no Serviço Público Federal, que lotou o plenário do TRE-RJ, na terça-feira (3/12).

Presente à mesa de debate, o presidente do Sisejufe, Valter Nogueira Alves, informou que há duas frentes parlamentares discutindo a questão da reforma administrativa no Congresso Nacional nas quais o Sisejufe faz parte das atividades conjuntas: uma que envolve carreiras típicas de Estado e outra que envolve todo conjunto do funcionalismo público. E informou que a Central Única dos Trabalhadores realizou recentemente uma plenária nacional na qual discutiu as iniciativas, pautas e calendário de mobilizações que vão ser tocados no próximo período.

O dirigente fez um breve histórico do que está acontecendo e destacou que essas questões não chegaram agora. 


“A reforma administrativa não é esse pacote que o governo encaminhou agora ao Congresso Nacional que é a PEC 186. Ela começa lá atrás no governo Temer. E temos primeiro que lembrar que esse conjunto de medidas legislativas e administrativas foram tomadas ao longo dos anos, não é uma coisa pensada no governo A ou B. Isso faz parte de um conjunto de medidas que desde os anos 80, 90, já vêm sendo colocadas pelo Banco Mundial como uma alternativa para resolver os problemas do Estado. E resolver os problemas do Estado significa diminuir o orçamento público, o dinheiro que vai para garantir a prestação do serviço público na sociedade e desviar esse dinheiro e colocar no sistema financeiro para diminuir a dívida e abrir mais espaço para que o mercado se aproprie dessa prestação de serviço e transforme isso em mercadoria”, disse.

Valter acrescentou que, nessa linha, o foco central da reforma do ministro Guedes é alinhamento de salário. “Como se faz isso? Primeiro diminui-se drasticamente o valor inicial dos salários nas carreiras, terceiriza-se tudo aquilo que puder e não nomeia mais servidores”, afirmou, acrescentando que outra forma de alinhamento se dá através da redução de salário, proposta prevista na PEC 186.

O presidente do sindicato lembrou que outras medidas como Reforma Trabalhista, Teto de Gastos e Reforma da Previdência passaram sem que houvesse grandes mobilizações. “A população não foi para as ruas, mesmo tendo sido atacada com a retirada de direitos. E de agora para frente, qual a nossa capacidade de mobilização? … Nós não somos uma ilha, então não adianta um sindicato agir de maneira isolada”, opinou.

Radiografia das reformas

O primeiro palestrante, o assessor parlamentar do Diap Antônio Queiroz, analisou os aspectos políticos dessas medidas, o impacto sobre os servidores públicos e mostrou o que está por trás deste processo.

“Estamos num ambiente em que o debate no Brasil se encontra interditado, é difícil dialogar em função das disputas e a tecnologia está exercendo um papel fundamental na condução do que as pessoas devem fazer. E quem desenvolve esse sistema sofisticado de tecnologia, através do algoritmo, o faz a serviço de interesses que não são os da maioria da população, mas sim do sistema financeiro. Faz-se um encaminhamento no sentido de que não se debata mais conteúdo, mas se faça julgamentos morais e os escolhidos para que sejam julgados moralmente na perspectiva negativa são todos aqueles que defendem interesses coletivos, humanistas e a solidariedade. Isso vale para instituições, pessoas, partidos, etc. Quem se identifica com essa pauta é potencial inimigo do status quo”, disse o especialista, acrescentando que essas pessoas que defendem o interesse coletivo não têm demonstrado paciência para lutar.

Queiroz afirmou que os mais pobres são os que vão perder participação no orçamento de maneira mais acelerada. “Está se fazendo uma reforma em que as variáveis de ajuste são aquelas pessoas cuja renda tem natureza alimentar. São servidores públicos que vivem de salário, aposentados, etc”, relatou.

Para o analista, o que se tenta implementar, por parte do governo e do setor empresarial, é um sistema em que o Estado só interfere no limite do direito civil e do direito político. “O direito social, que implica gasto, eles querem desacelerar porque já estaria ficando muito caro. Paralelamente a isso, vem uma revolução tecnológica que vai acelerar o processo de automação”, alerta.

“Vivemos no Brasil a conjuntura mais adversa de todos os tempos para os trabalhadores, servidores públicos e aqueles que dependem da prestação do Estado. Talvez nunca tenha tido uma ofensiva tão avassaladora sobre os direitos, sobre as políticas públicas e sobre o papel do Estado como essa que está se enfrentando neste momento. E é um movimento articulado. Nenhum poder resiste a essa investida em bases neoliberais”, avalia ainda.

Atuação dos sindicatos é fundamental

O especialista acrescenta que diante desse quadro, é fundamental a atuação das instituições que ainda fazem esse enfrentamento, como os sindicatos. 
“Os sindicatos são fundamentais nesse processo para amenizar algumas perdas. Estamos nesse ambiente em que vemos um conjunto de reformas que se dão de forma articulada, que vem nessa perspectiva de aprofundamento de outras reformas já realizadas que reduzem a presença dos mais pobres no orçamento e a participação dos trabalhadores na renda nacional, ampliando a desigualdade e a pobreza no nosso país. Fazem parte dessas emendas a EC 95 (Teto de Gastos), a Reforma Trabalhista, a terceirização e a Reforma da Previdência”, pontuou.

Reforma já está em curso

O assessor do Diap informou que o plano Mais Brasil já é uma reforma administrativa, embora o governo diga que ela virá em outro momento. “A PEC 186, que trata da reforma emergencial, estabelece uma série de mudanças nas finanças públicas que, na prática, significa uma reforma administrativa e torna permanente o ajuste previsto no teto de gastos da EC 95. Pela Emenda Constitucional, se extrapolar o limite de gastos disparam-se gatilhos, mas esses gatilhos deixam de ser disparados se o governo encaminhar um crédito suplementar. E ele fazia isso. Tanto que vocês receberam reajuste até janeiro. Com a PEC 186, a chance de ter qualquer reajuste é zero porque torna permanente o ajuste previsto no teto de gastos”, completa.

Antônio Queiroz cita, ainda, a PEC 187, que trata dos fundos infraconstitucionais e gera menos polêmica, devendo tramitar com mais facilidade. E a PEC 188, chamada PEC do Pacto Federativo, na qual se encontra inserida integralmente a 186, sendo a mais abrangente de todas: “essa PEC, além de prever a extinção dos municípios, tem um dispositivo que impede que o Judiciário possa reconhecer direitos se não houver orçamento para pagar despesas”.

O palestrante explica que a Reforma Administrativa em si, que virá posteriormente, terá pouca coisa a se acrescentar, já que muito está previsto na PEC 186. “Nessa proposta já está prevista a possibilidade de redução de jornada com redução de salário e a suspensão de progressão e promoção. O que precisaria fazer além disso? Acabar com Regime Jurídico Único, mexer no estágio probatório (aumenta de 3 para 10 anos) e dar garantia de estabilidade para as carreiras exclusivas de Estado”, relata.  
A redução do salário vai depender de ato do titular do Poder. “No caso do Judiciário terá que ter um ato de órgão do Poder Judiciário nessa criação. Eu acho que na atual gestão da presidência do Supremo isso não ocorrerá, mas na gestão do ministro Fux eu não tenho a menor dúvida de que começa o ajuste drástico no Judiciário”, esclareceu.

“É um momento de muita dificuldade. Por isso, deletem a ideia de cortar despesas com sindicato porque é ele que vai fazer a sua defesa. Todos devem buscar convencer outras pessoas da injustiça dessas medidas. Não estou aqui para trazer desalento. Estou aqui para alertar o que pode acontecer se nada for feito. Se não houver uma reação, um movimento articulado no sentido de convencer parlamentares e a sociedade de que isso é injusto e que está se escolhendo só o assalariado para fazer esse ajuste e chamar a atenção de que se fez armadilhas para induzir a população a apoiar essa degola, se nada for feito, essa tragédia que eu falei aqui tende a se concretizar”, afirmou.

Aspectos jurídicos

O assessor jurídico do Sisejufe, Jean Ruzzarin, o segundo a palestrar no seminário, traçou um cenário de cautela. “No campo processual jurídico não temos alternativas. Então, a saída é a atuação política, via sindicato”, destacou.

Ruzzarin explicou que a análise jurídica se atém a indicar quais dispositivos podem ou não ofender os comandos constitucionais, chamados de Cláusulas Pétreas. “Vamos tentar dar um primeiro argumento para o debate político porque se a proposta não é constitucional, politicamente é inviável. E deixá-los em alerta para aquilo que não viola a Cláusula Pétrea e, portanto, pode ser aprovado. E vocês vão ter de centrar numa atuação política de convencimento muito mais sensível”, destacou.

O assessor disse que há um vício que já foi enfrentado no mandado de segurança do PDT. “O PDT questionou a apresentação das propostas perante o Senado. E explicou que se trata de manobra do governo porque na Câmara a tramitação é mais demorada. Só que a Constituição da República diz que as propostas enviadas pela Presidência da República têm que ser apresentadas perante a Câmara. Então o que faz o governo? Pega alguns líderes do governo e formalmente a proposta aparece no Senado. É um vício formal do projeto porque começou pelo Senado, embora o projeto seja do governo. A ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), indeferiu o mandado de segurança, alegando, em síntese, que se trata de matéria que demanda dilação probatória, o que não caberia nesse tipo de demanda judicial, mas o vício persiste no projeto”, alertou.

Jean destacou que o primeiro problema é a inclusão do parágrafo único do Art. 6 da Constituição Federal. “Este novo direito, aparentemente surge como novo direito social que é o direito ao equilíbrio fiscal intergeracional, mas esse novo direito abole ou mitiga os demais direitos sociais. Então, embora formalmente ele venha como um direito, nos parece que está promovendo a abolição de alguns direitos fundamentais e, portanto, violando Cláusula Pétrea. Aqui já há uma inconstitucionalidade que devemos reclamar. E esse direito se irradia para os direitos dos trabalhadores (Art. 7), dos quais os servidores públicos detêm vários itens”, acrescenta.

Para o palestrante, a inclusão do parágrafo 8 no Art. 167 da Constituição (PEC 188), também preocupa, já que diz que lei ou ato que implique despesa somente produzirá efeitos enquanto houver a respectiva e suficiente dotação orçamentária, não gerando obrigação de pagamento futuro por parte do erário. “Ou seja, não importa a decisão judicial que se obtenha contra uma ilegalidade cometida pelo governo. Se algum técnico insistir que não há orçamento para cumprir aquele comando, ele fica descumprido. Esse dispositivo ofende a separação dos poderes e fere o princípio da inafastabilidade da jurisdição [também chamado princípio do acesso à justiça, que tem previsão no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição], atingindo a Cláusula Pétrea e, portanto, é inconstitucional”, observa.

Regra de ouro e teto de gastos

Ruzzarin lembra que os artigos 167-A e 167-B contidos na PEC 186/19 são os que estabelecem os gatilhos automáticos em caso de crise fiscal ou descumprimento da regra de ouro e teto de gastos. “Esses comandos que estabelecem uma série de restrições nos parecem ofender outras Cláusulas Pétreas que dizem respeito ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido, por exemplo, aquele que impede progressão e promoção”, diz.

Para o assessor jurídico, o ponto mais controvertido é o que trata da redução de jornada de 25%, com diminuição proporcional dos vencimentos, uma vez que, apesar do STF já ter julgado inconstitucional a possibilidade de redução de vencimentos por questões orçamentárias no julgamento da ADIn 2.238, onde foi declarada, por maioria, a inconstitucionalidade artigo 23, parágrafo 2º, da lei de responsabilidade fiscal (que pretendia a redução da jornada e do salário de servidores quando a despesa total com pessoal do Poder ou órgão ultrapassasse os limites definidos na própria lei). “Agora, o governo apresenta essa proposição numa Emenda Constitucional, ou seja, mudando a própria norma constitucional, inclusive regra do Inciso XV, que prevê irredutibilidade para acomodar essa possibilidade de redução da jornada. Nos parece que, ainda assim, a tentativa é inconstitucional porque a irredutibilidade de salário é garantia fundamental que protege os servidores”.

Luta para salvaguardar direitos

Jean, no entanto, deixa um alerta: “não quero dar esperança de que os pontos principais sejam resolvidos pelas cláusulas pétreas. Quem dirá a última palavra é o STF. Não podemos nos empolgar com essa alternativa e não abandonemos a luta perante o Congresso. O que salvaguardará o direito de vocês é a luta”.

O vice-presidente do Sisejufe, Lucas Costa, também destacou a importância de os servidores aderirem ao chamado do sindicato. “A primeira etapa está em conhecer o inimigo e as armas de que dispõem. A proposta do encontro de hoje foi justamente a de conhecemos o tamanho dos riscos a que estamos expostos e aprofundarmos nosso conhecimento sobre as estratégias do governo e de parte do legislativo contida nesses projetos que visam retirar direitos sociais e desestruturar o próprio serviço público. Estamos discutindo aqui o conteúdo das PECs da reforma administrativa e fazendo uma análise da conjuntura política, econômica e social em que estão inseridas. Isso é fundamental para organizarmos a luta ao lado de servidores municipais, estaduais e federais. É importante que todos participem desse processo e percebam que, mais uma vez, tal como fizemos nas lutas pelo reajuste e no ‘derruba veto’ em 2015, precisamos ocupar os espaços políticos dentro e fora do parlamento. Temos que voltar a ocupar as ruas e os corredores do congresso nacional, além de disputar os espaços nas redes sociais e fazer em alto nível o embate jurídico nos tribunais. A diferença é que dessa vez não estamos buscando novos direitos, mas protegendo os que ainda temos”, disse o dirigente sindical. 

Na parte aberta aos esclarecimentos dos servidores, a secretária geral Fernanda Lauria destacou a importância da base atender o chamado do Sisejufe. “Toda vez que o sindicato convocar, é importante que vocês participem de todas as atividades, de greve geral se for convocado, de passeatas, caravanas a Brasília porque essa é uma pauta muito difícil das entidades tocarem sozinhas, sem a categoria envolvida”, concluiu.

Leia neste link a íntegra da Nota Técnica da assessoria jurídica do Sisejufe.