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São Paulo: Violência política já atinge servidores do Judiciário Federal

Sindicatos

Trabalhadores já foram agredidos por serem servidores públicos, por manifestarem posicionamento eleitoral e até por sua orientação sexual; à reportagem, entrevistados mostraram preocupação com resultado eleitoral e cenário a partir de 2019

Luciana Araujo

No processo eleitoral mais polarizado desde ao menos a redemocratização do país, colegas do Judiciário Federal também estão sofrendo as consequências do clima de violência política contra o qual o Sindicato tem se manifestado.

Um dos episódios mais recentes que chegaram ao conhecimento do Sindicato aconteceu na última sexta-feira (19 de outubro) na cidade de Sorocaba. Duas servidoras da 342ª Zona Eleitoral estavam em uma padaria da cidade encomendando lanches para o plantão do dia do segundo turno das eleições (o próximo dia 28). Ao comentar que o pagamento seria feito por meio de cheque administrativo da Justiça Eleitoral e seria necessário emissão de nota fiscal, outro cliente do estabelecimento interferiu na conversa já de forma agressiva.

“Um rapaz que estava com a esposa e a filhinha atravessou a conversa e começou a nos agredir verbalmente e a mulher começou a filmar com o celular, falou que queria saber de que zona éramos, que ia colocar na internet. Nós respondemos, mantendo a compostura, que ela poderia colocar, mas foi uma situação muito chata. Minha chefe tem quase 30 anos de Tribunal e falou ‘estou para me aposentar e ter que passar por uma situação dessas’. Só quando tentamos falar com o juiz ao telefone é que eles foram arrefecendo. Mas foi uma situação tensa, os clientes da padaria ficaram nervosos, foi super chato. Nessa situação toda estamos muito visados”, conta a servidora Patrícia Antunes.

Ela confirmou à reportagem que a motivação política do ataque ficou evidente no conteúdo das falas do agressor. “Vocês esquerdistas, vermelhas, essas coisas. Foi bem desagradável. A gente está até evitando usar a camiseta das eleições porque no dia estávamos com roupa normal e por ele ter escutado a nossa conversa aconteceu isso. Ficamos muito chateadas”, relatou.

“Isso nunca tinha acontecido. Nem no final do alistamento ou da revisão, que a gente passou aqui, mesmo as pessoas com ânimos exaltados, nem se compara com agora. Não só pelo fato de sermos da Justiça Eleitoral, mas de sermos servidores públicos. O jeito que o rapaz falava era como se se entendesse como nosso patrão e que tínhamos que obedecer e fazer o que ele queria. Falamos para ele que não estávamos fazendo nada de errado, que prestamos contas, mas ele não queria ouvir. Minha chefe até comentou: ‘a gente vê esses relatos na mídia e pensa ‘ah, não, isso não está acontecendo’. Mas aconteceu com a gente. Ficamos tão surpresas. Então, realmente está acontecendo. Como vimos no caso da ministra Rosa Weber. Se chegou nela, que dirá em nós”, relata Patrícia, que é analista judiciária há onze anos, já tendo servido no Tribunal, na cidade de Carapicuíba e que há oito anos atua na Justiça Eleitoral em Sorocaba.

Homofobia

No dia 26 de setembro, um servidor do TRT-2 relatou em seu perfil numa rede social ter sido vítima de homofobia na esquina das ruas Paim e Frei Caneca, na região da Avenida Paulista, na capital. “Jogaram uma pedra em mim e gritaram: ‘Viado tem que apanhar!’, escreveu. “O mero vislumbre da eleição daquela pessoa já está dando segurança a esse tipo de gente, imagine o que sua vitória não fará! A pedra não me atingiu, mas pior já foi feito com minhas irmãs e irmãos trans, com jovens gays e bissexuais, com pessoas que são apenas diferentes”, prosseguiu o jovem oficial de justiça.

Na última semana ao menos três travestis foram mortas por pessoas que as atacaram nas ruas de grandes cidades, duas na região do Arouche, em São Paulo, e uma em Aracaju (Sergipe), gritando palavras de ordem contra homossexuais e o nome do candidato líder nas pesquisas.

Num vídeo publicado posteriormente, o servidor relata que sofreu um segundo ataque. “Apoiadores daquele candidato pegaram suas bandeiras e apontaram como armas para mim e meus amigos como se fossem nos metralhar”, disse.

No dia 22 deste mês, no fórum da Justiça do Trabalho em Praia Grande, ainda antes da abertura do atendimento, o balcão da 1ª Vara foi pichado com a inscrição “6 tudo viado”.

“Daí você está trabalhando, tentando dar o seu melhor com os demais colegas em prol dos trabalhadores que já tiveram seus direitos preteridos, quando uma colega vem até você comunicar a ocorrência de um crime”, relatou num grupo da categoria o diretor de Secretaria, Elton Teixeira Rocha. Ele ressaltou no grupo e em conversa com a reportagem que “pode parecer pouco, mas é um crime de ódio”.

O servidor demandou formalmente apuração do episódio e foi verificado pelo sistema de câmeras de monitoramento do fórum que o ato foi praticado às 10h30. Somente após o encaminhamento a apuração de responsabilidades a pichação foi apagada. “Poderíamos somente apagar a agressão (como fizemos depois para que ninguém fosse obrigado a ler esse tipo de absurdo), mas preferimos registrar o fato e solicitar providências, pois todos nós, trabalhadores e trabalhadoras do Judiciário, fomos agredidos”, relatou Elton no grupo de WhatsApp da região.

Ele é servidor do TRT-2 desde 2011, já tendo atuado em Santos, e afirma nunca ter passado por esse tipo de situação. “Considerei um absurdo, uma afronta, mesmo que não tenha sido direta. E no atual contexto, em que pessoas defendem abertamente o fechamento de instituições, pregam o descrédito nas instituições, principalmente do Judiciário, além de legitimar agressões às minorias, não podemos nos calar. Parece pouco, mas começa assim, e depois perde-se o controle”, ressalta.

A homofobia é uma violação de direito fundamental e vai contra o inciso XLI do artigo 5º da Constituição Federal, que estabelece que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. No Estado de São Paulo, a Lei 10.948/2001 dispõe que “será punida, nos termos desta lei, toda manifestação atentatória ou discriminatória praticada contra cidadão homossexual, bissexual ou transgênero”. O diploma legal estabelece no inciso I do artigo 1º que para os efeitos da lei, são considerados atos discriminatórios “qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica”.

Ataque político

Lembrando os tempos do Macartismo – prática de ataques políticos sem provas e perseguição a divergentes dos conservadores norte-americanos, inspiradas pelas ideias do senador Joseph McCarthy, na década de 1950 nos Estados Unidos – por vezes a mera divulgação de posicionamento político tem sido causa de agressões.

Servidora da Justiça Federal em Bauru recém eleita diretora de base do Sintrajud em seu local de trabalho, Cátia Machado foi uma das vítimas desse tipo de ataque. Ela compôs a música #EleNão para os atos convocados por movimentos de mulheres no dia 29 de setembro, e junto com amigos produziu um clipe da canção (assista aqui). Ao publicar o vídeo em sua rede social recebeu uma onda de ataques.

“Lancei o vídeo na minha página pessoal, até porque não tenho página artística, e comecei a receber uma enxurrada de críticas. Por serem na minha página pessoal, para preservar meus filhos e minha família apaguei mais de cem comentários que iam desde críticas à minha aparência e à música a ofensas”, relata Cátia. Mas o que a levou a se dispor a contar o ocorrido à reportagem do Sintrajud foram calúnias, ameaças e desqualificações. “Coisas como me acusar de ‘ser beneficiada pela Lei Rouanet’ [que possibilita a artistas com projetos selecionados por meio de editais captarem recursos para projetos culturais junto a empresas que podem deduzir as doações do imposto de renda]. Sendo que o vídeo que fizemos é colaborativo, nada a ver com a Rouanet. Mas os piores comentários eram os que me chamavam de vagabunda, comunista, traziam críticas destrutivas. E muitos eram postagens da #B17”, conta.

O papel do Sindicato

Outros relatos de violência chegaram ao Sindicato por parte de servidores que preferiram não publicizar as violações sofridas com receio de exposição. Inclusive de colegas trabalhadores do Judiciário Federal em outros Estados.

Uma servidora de quem preservamos a identidade relatou à reportagem que chegou a sofrer duas ameaças. “Me constrangeram por duas vezes. Até hoje não dormi uma noite inteira sequer. Tenho uma amiga atriz que foi chamada de vagabunda, de puta de esquerda. Ela estava num coletivo e passou por uma manifestação pró-Bolsonazi. Você acredita que ela apenas olhou com pesar para um casal com duas crianças e foi tratada com tamanha hostilidade?!? Ela inclusive relatou que a mulher foi a mais cruel. E ela sequer tinha um bottom ou boné, mas usa piercing e é tatuada. Entregou ser de esquerda com o olhar”, contou.

A preocupação com o cenário de violência política, conceito adotado pela Organização das Nações Unidas para caracterizar violações de direitos associadas à participação de cidadãos no debate público ou em cargos de representação, apareceu em todas as entrevistas realizadas pela reportagem do Sintrajud. Foi comum ouvir dos servidores que se a situação está como tem sido reportado em veículos jornalísticos e presenciado pelos próprios colegas neste momento, há um receio de que piore no próximo período.

Por vezes servidores questionam quando o Sintrajud publica reportagens sobre o processo eleitoral, ou por ter sido aprovado nos fóruns da categoria posicionamento contra as ameaças de ruptura institucional que têm sido propagadas no último período. Alguns colegas questionam se não seria uma “partidarização”.

Embora os posicionamentos de toda a categoria sejam respeitados pela direção do Sindicato, a gestão tem um compromisso com o estatuto da entidade, que coloca a defesa das instituições democráticas como “finalidade precípua”. O Sintrajud organizou todas as lutas necessárias contra os ataques promovidos pelos governos petistas: greves contra a reforma da Previdência de Lula, mobilizações contra as mudanças nas regras de concessão de pensões feitas por Dilma, as lutas contra o Funpresp, por reposição salarial, pela derrubada do veto ao PLC 28/2015, entre outras. Em editorial publicado na edição 579 do Jornal do Judiciário a direção do Sindicato reafirma que o posicionamento assumido nesta reta final do processo eleitoral em curso tem como único motor a defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores. E parte desse compromisso é não silenciar diante de situações como esta.

O diretor do Sindicato e servidor do TRT-2 Fabiano dos Santos ressalta que “esse processo eleitoral não é um processo dentro da normalidade democrática, haja visto que uma das candidaturas defende explicitamente valores que atentam contra a democracia, como a ditadura e a tortura. Também desrespeita a democracia ao pregar a supressão das oposições, declarando inclusive que não haverá espaço para ativismo, que é parte da atuação democrática dos movimentos sindicais de trabalhadores, como é o caso do próprio Sintrajud. Isso sem falar no discurso de ódio às diferenças, sejam de gênero, sexualidade ou raça”, conclui.