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Seminário promovido por Sintrajufe/RS e TRT4 debate assédio moral

 

 

 

 

O assédio moral no trabalho e sua relação com a saúde e o sofrimento mental foi o tema de seminário, na sexta-feira, 24, promovido em parceria pelo Sintrajufe/RS e pela Escola Judicial do TRT4. A atividade contou, na parte da manhã, com palestra do médico e psicanalista francês Christophe Dejours; à tarde, os palestrantes foram o desembargador do TRT2, de São Paulo, Valdir Florindo e a professora de Psicologia da Ufcspa e uma das coordenadoras da Pesquisa de Saúde 2016/2017 do Sintrajufe/RS, Mayte Amazarray.

Na abertura da atividade, a presidente do TRT4, Vania Cunha Mattos, enfatizou que “o trabalho deve ser fonte de prazer, e não de sofrimento” e falou sobre o aumento da carga de trabalho e a incapacidade de vencê-la como produtores de sofrimento. O diretor do Sintrajufe/RS Ruy Almeida, ao falar sobre a importância do evento, lembrou que a Pesquisa de Saúde 2016/2017, realizada pelo sindicato, estabeleceu nexos claros entre a forma de organização do trabalho e a incidência de assédio moral, mostrando que o Judiciário não está livre dessa prática.

As implicações do assédio moral na saúde do trabalhador

Ao iniciar a palestra “As implicações do assédio moral na saúde do trabalhador”, Christophe Dejours afirmou que o trabalho pode gerar o melhor em cada pessoa e é o meio mais poderoso para se alcançar a realização pessoal, o amor por si mesmo; o trabalho poder ser “fonte de regozijo”. A ação racional e as relações com os colegas, quando os laços de cooperação funcionam bem, trazem muitas razões para se sentir prazer.

No entanto, o trabalho como fonte de realização e prazer está em colapso, e a prática do assédio moral desponta como presença constante. Diferentemente do que se possa pensar, o assédio não é uma prática nova, disse Dejours; pelo contrário, existe no trabalho desde a Antiguidade. Para o psicanalista, o que mudou não foi o assédio, mas “o aumento impressionante de patologias mentais e somáticas decorrentes do trabalho” e a introdução de uma nova técnica de gestão, a avaliação individual por desempenho. Trabalhando em cima de resultados quantitativos de cada trabalhador, supostamente neutra, objetiva e indiscutível, a avaliação de desempenho produz o acirramento da competição e, no melhor dos casos, avalia apenas o resultado do trabalho, e não o trabalho realizado. Dejours deu como exemplo o Judiciário: os resultados são apresentados por meio de números de casos, sentenças, processos, mas se o magistrado se depara com um caso difícil, talvez passe horas ou dias estudando esse único caso. Seu desempenho quantitativo, ou resultado do trabalho, cai. Por isso, afirma Dejours, não há proporcionalidade entre o volume do trabalho real e o quantitativo medido na avaliação.

O palestrante afirmou, diversas vezes, que a avaliação individual de desempenho não é neutra. Ao colocar em polos opostos a qualidade e a quantidade, gera amargura, sofrimento e até mesmo sensação de trabalho não cumprido. Essa forma de gestão tem três desdobramentos: aumenta o desemprego, pois faz o trabalhador produzir cada vez mais e, com isso o número de pessoas necessárias para produzir o mesmo resultado se torna menor; o aumento do volume de trabalho aumenta exponencialmente as patologias ditas de sobrecarga, como transtornos músculo-esqueléticos, lesões por esforço repetitivo, morte súbita, uso de álcool, estimulantes e drogas; e aumenta a competição entre colegas.

Dejours descreveu como essa forma de gestão degrada o ambiente e as relações de trabalho. As condutas de competição são exacerbadas até virarem concorrência desleal, sabotagem do trabalho do outro, recusa a auxiliar e ensinar. Isso enfraquece as relações de confiança, ficando cada um por si. Evita-se até conversar no trabalho. Saem de cena a ajuda mútua, a generosidade, a solidariedade e entram o egoísmo, a deslealdade, a hostilidade e, o mais grave, manifesta-se com força a solidão. Fechar-se em seu silêncio, afirma Dejours, é o mais nocivo para a saúde mental. E esse é um cenário propício para o assédio: quando uma pessoa ou algumas pessoas são vítimas de assédio moral, ninguém as apoia, ninguém se manifesta em seu favor, ninguém manifesta simpatia.

Dejours insistiu que não foi o assédio que mudou; a novidade é o colapso das relações resultante da avaliação individual de desempenho. “O assédio é suficientemente ruidoso para que todos saibam que ele existe, mas ninguém intervém.” Dejours advertiu que o silêncio torna todos cúmplices indiretos do assédio; portanto, o assédio afeta também os que não são assediados, torna-os covardes, instaura o medo nas relações de trabalho.

Outro elemento importante para a facilitação do assédio foi a introdução da governança nas empresas e, mais recentemente, nas instituições públicas. A organização do trabalho, antes responsabilidade de pessoas com experiência na área, passa para as mãos de um novo personagem, o "gestor". No Executivo, no Legislativo e no Judiciário, todos precisam ser gestores. Essa guinada é um modo de concretizar mundialmente o neoliberalismo, uma visão que preconiza que as nações devem ser administradas como empresas. Avaliações, certificações, qualidade total – é o que Dejours chamou de “máquina de subjugar trabalhadores a uma forma de gestão”, enfim, a padronização do mundo e a precarização do emprego e das relações entre as pessoas.

  Efeitos da avaliação de desempenho e da governança no Judiciário

Para Dejours, que acompanha o Judiciário no Brasil e na França, o cenário sob as novas ferramentas de gestão é calamitoso, pois a Justiça precisa, antes de tudo, de adaptação e individualização, e não de padronização. A busca incessante por produtividade acarreta degradação da expertise e da qualidade das sentenças em prol dos resultados. Ao comprometerem a profissão, magistrados e servidores “sentem que violam as regras do direito e o traem, desonram à Justiça e a si próprios”. O sofrimento ético vem da aceitação em contribuir para coisas que o senso moral desaprova. Não há mais lugar para o prazer no trabalho nem reconhecimento compartilhado com os colegas; “surge o ódio por si mesmo, que é o contrário da realização de si”. Muitos não resistem a tentam o suicídio, gerado pelo assédio produtivista.

  

O psicanalista descreveu ainda o paradoxo que são as estratégias de defesa contra o sofrimento adotadas pelos que não adoecem ou se suicidam. Nesses casos, servidores e magistrados focam na aceleração por produtividade a fim de paralisar o pensamento crítico e, de tanto trabalhar, renunciam ao senso do trabalho bem feito, mas têm como compensação uma promoção, uma progressão ou função. De certa forma, colocam a luta pela carreira em primeiro lugar e renunciam à Justiça e aos cidadãos e seus direitos. Configura-se uma prática coletiva de assédio, contra os que resistem ao que Dejours chamou de “cinismo produtivista”. Os que resistem são considerados inconsequentes e passam a ser desprezados por não quererem o “progresso”.

Dejours ressaltou que as práticas de assédio não são algo individual, não são ações maldosas de pessoas maldosas, mas resultado de uma estratégia de defesa contra o sofrimento. É preciso ver que o papel de assediador não é reservado apenas aos outros. “Cada um de nós pode vir a ter esse comportamento terrível”, afirmou. É preciso reprimir e penalizar quem o pratica e, muito importante, é necessário socorrer as vítimas, mas sempre tendo em vista que a origem do assédio não está na personalidade de quem assedia, mas na própria organização do trabalho. O que pode modificar a situação atual é uma ação coletiva e uma vontade coletiva de lutar em conjunto, reconstruir a qualidade do trabalho, a solidariedade com os colegas, aprender a falar e a escutar e ter presente que “a sua saúde mental não depende apenas de você, mas da solidariedade dos outros, da tessitura de relações que construímos”.

  Dano moral e as relações de trabalho

Na parte da tarde, o primeiro painel foi “Dano moral e as relações de trabalho”, com o desembargador Valdir Florindo. Segundo ele, para tratar de assédio moral não basta o direito do trabalho, pois o assunto é complexo e multidisciplinar. O magistrado disse que é difícil legislar sobre o assunto no Brasil e mencionou que atualmente há 11 propostas versando sobre criminalização do assédio moral no Congresso Nacional, todas com tramitação parada. Ele defendeu que o assediado receba uma compensação pelo sofrimento de que foi vítima e que o assediador seja advertido, de modo a servir de alerta que “a sociedade não aceita esse tipo de comportamento”.

Ao falar sobre metas no Judiciário, Florindo desbordou da análise feita pelos demais palestrantes ao afirmar que a pressão por metas não é necessariamente um problema, desde que sejam respeitados limites e que as metas sejam viáveis, possíveis. Chegando a utilizar como exemplo "o carvão, que sob pressão se torna um diamante", defendeu uma abordagem mais individualizadora da conduta de assédio enquanto desvio moral, o que contraria as teorias mais avançadas atualmente existentes sobre o tema.

  A organização do trabalho e seus impactos sobre a saúde mental dos trabalhadores

O último painel do dia, “A organização do trabalho e seus impactos sobre a saúde mental dos trabalhadores”, foi apresentado pela professora e psicóloga Mayte Raya Amazarray. Ela fez uma breve explanação sobre as primeiras tipificações de assédio moral e casos relacionando saúde mental e trabalho. Para a painelista, jamais se deve apontar a personalidade do assediador ou da vítima de assédio como determinante; os elementos-chave para entender o assédio estão no contexto social e de trabalho.

Depois de explicar questões conceituais e metodológicas, Mayte falou sobre a Pesquisa de Saúde do Sintrajufe/RS realizada em 2016. A partir dos dados apresentados, ela mostrou a relação entre a organização do trabalho no Judiciário Federal no Rio Grande do Sul e as incidências de sofrimento mental e assédio moral. Na avaliação da professora, para que a atual realidade de trabalho no Judiciário seja modificada, é preciso pensar no perfil da gestão, e não das chefias; repensar o mundo do trabalho, e não ações pontuais. Além disso, afirmou, é necessário “que as pessoas sejam sensibilizadas; quanto mais se conhecer e entender, melhor o caminho para repensar o trabalho e os modos de gestão”.

Na avaliação do diretor Ruy Almeida, o seminário foi importante como instrumento de formação para os servidores e os magistrados presentes, representou o atendimento a uma das “10 medidas contra o adoecimento e assédio moral” requeridas pelo Sintrajufe às administrações. “Tivemos vários colegas presentes, de todos os ramos do Judiciário e também do MPU. Foi um passo importante que precisa ser replicado mais vezes, na Justiça do Trabalho e nos demais ramos do Judiciário”, afirmou o dirigente.

 

 

 

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