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Fórum Social na Venezuela e Chávez já despertam oposição

Por Marco A. Weissheimer* - 03/02/05

Porto Alegre - Encerrada a quinta edição do Fórum Social Mundial, a passagem do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, começa a ser transformada em motivo de polêmica. O apoio entusiasmado que Chávez recebeu em Porto Alegre e a decisão do Conselho Hemisférico das Américas de realizar o fórum continental, em 2006, em Caracas, despertaram reações entre integrantes do Conselho Internacional do FSM e na mídia da capital gaúcha. Entre os incomodados do CI estão Oded Grajew e Francisco Whitaker, que não mostraram muita simpatia pela idéia. Em declarações ao jornal Zero Hora, Grajew disse desconhecer a proposta de levar o FSM para Caracas: "Podem fazer um Fórum na Venezuela, mas se não passar pelo Conselho Internacional não é um Fórum Mundial", comentou. Na mesma linha, Whitaker acrescentou que "nada impede que apareçam outras alternativas".

Whitaker chegou a fazer um comentário irônico sobre as declarações do diretor do Instituto Brasileiro de Análises Econômicas e Sociais (Ibase), Cândido Grzybowski, que, durante a conferência de Chávez no domingo, anunciou que o Fórum Social das Américas seria realizado mesmo na Venezuela. Segundo ZH, Whitaker insinuou que Cândido se emocionou e falou demais. Essa briga pela imprensa deve ganhar contornos mais nítidos na próxima reunião do Conselho Internacional do FSM, que será realizada entre os dias 30 de março e 1° de abril, em Amsterdã, Holanda. O CI já decidiu que a edição de 2006 do FSM será regionalizada, sendo realizada simultaneamente na Ásia, na África e nas Américas. Também está definido que o Fórum de 2007 irá para a África. O Comitê Africano do FSM já elegeu Marrocos como seu candidato para sediar o evento.

A proposta de Chávez de que o Fórum Social Mundial deve ter uma agenda política mais ofensiva não agrada muito a Grajew e Whitaker, que temem que o líder venezuelano acabe se tornando uma liderança importante entre os participantes do processo FSM, o que, na prática, já começou a acontecer em Porto Alegre. Atenta à proposta de uma agenda política ofensiva, defendida por Chávez, a RBS, principal grupo de mídia do Sul do país, iniciou um ataque à idéia. Esse ataque veio a partir de dois flancos que tentam, de forma articulada, desconstituir a figura de Chávez. O primeiro diz respeito às propostas de Chávez (ao discurso antiimperialista feito por ele no Gigantinho); o segundo concentra-se no tamanho da comitiva que o presidente venezuelano levou a Porto Alegre. Os dois temas foram temas de um editorial e de um comentário na televisão nesta terça-feira (1°).

Chávez está na contramão do mundo desenvolvido, diz ZH
Em um editorial intitulado "O norte de Chávez", Zero Hora comenta, com preocupação, a passagem do venezuelano pelo FSM, dizendo que ele está "na contramão do mundo desenvolvido e tem "identidade com experiências estatizantes fracassadas do passado". O editorial identifica assim a agenda proposta por Chávez: "nacionalismo exacerbado, repúdio intransigente à privatização de serviços públicos, onipresença do Estado na vida dos cidadãos e controle dos meios de comunicação". E lembra a tentativa de golpe que Chávez liderou contra o governo de Carlos Andrés Pérez, em 1998, e as intervenções na economia que geraram "o descontentamento das elites empresariais venezuelanas". Reconhecendo que Chávez desbancou Lula da condição de "ídolo das esquerdas" no FSM, o texto defende que o brasileiro é uma liderança mais sensata e confiável.

Além das acusações de autoritarismo e anacronismo, o jornal da RBS levanta outra pauta para bater em Chávez: a comitiva de mais de 400 pessoas que o líder venezuelano levou a Porto Alegre. Em uma nota intitulada "Excessos presidenciais", a colunista política Rosane de Oliveira comenta: "o tamanho da comitiva, a obsessão com a segurança e as demonstrações de poder causaram espécie em quem cruzou com Chávez sem ser na condição de admirador". Na RBS TV, o comentarista Lasier Martins foi mais direto dizendo não ser possível que o Fórum Social Mundial vá para um país cujo presidente viaja com uma comitiva deste tamanho. Afirmando que a Venezuela "continua sendo um país dividido entre apoiadores e opositores do presidente, permanentemente à beira da instabilidade e da luta de classes", o editorial de ZH resume do seguinte modo o desconforto da RBS com Chávez: "será este o rumo que os povos latino-americanos almejam?".

As idéias incômodas de Chávez
A ofensividade política do discurso feito por Chávez em Porto Alegre e a grande receptividade que teve entre os participantes do FSM 2005 ajudam a entender essa reação: O líder venezuelano assumiu-se como um revolucionário, defensor do socialismo com democracia e inimigo do imperialismo norte- americano. Algumas passagens da conferência de Chávez no Gigantinho falam por si. "Há poderosos do mundo, controlando privadamente países inteiros. Aí está a raiz da fome e da violência, Nós somos companheiros dessa luta, iniciada no Fórum Social Mundial". Ou ainda: "Sou um homem comprometido com um mundo melhor e possível, sou um militante revolucionário. Não há outro caminho que não a revolução". E sobre a luta dos sem-terra no Brasil: "o MST tem sido um exemplo para todos os trabalhadores deste continente".

As referências apontadas por Chávez para dizer a que linhagem de políticos pertence devem ter arrepiado o cabelo de muita gente. "Sim, amigo Ramonet, posso ser um dirigente de um novo tipo. Mas me apóio em dirigentes de velho tipo. Como Cristo, que foi o maior líder antiimperialista da História. Velho tipo também como Bolívar. Como Che Guevara, como o general Torrrijos, no Panamá, ou Velasco Alvarado, no Peru. Como Luís Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança. E como aquele barbudo, de Cuba. De velhos tipos e "tipas", como aquela que libertou o Libertador, a mulher por quem Simon Bolívar se apaixonou perdidamente, Manuela Saenz, que deixou seu marido. 'Me vou com este homem, me vou com o furacão', disse ela na ocasião". O furacão Chávez passou pelo Fórum Social deixando um rastro de entusiasmo, admiradores e adversários.

* Marco A. Weissheimer, jornalista e mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), é correspondente da Agência Carta Maior em Porto Alegre.

 

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