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Teletrabalho no PJU em tempos de pandemia

Por Abilio Fernandes* 

Confesso que, do alto dos pouco mais de 30 anos de serviços públicos prestados por meio do Poder Judiciário da União – PJU, torço o nariz para essa estória de teletrabalho desde quando “regulamentado” pelo CNJ - Resolução n° 227 de 15/06/2016. As “aspas” vêm do estranhamento da parte do meu amarelado diploma de bacharel em direito quanto à ausência no Regime Jurídico Único – RJU de regra que preveja essa modalidade de exploração da força de trabalho, e que seja passível de regulamentação. Estaria o CNJ legislando?!

A minha psique repulsa a ideia do teletrabalho, porque o lar representa o último refúgio ao frio e estressante ambiente do trabalho, o “asilo inviolável do indivíduo” a que se refere o inc. XI do art. 5° da Constituição Federal. Mas eis que uma pandemia forçou a porta de entrada virtual do meu lar e entrou com tudo, sem que pudesse oferecer resistência!

Não encontro palavras para criticar as repentinas, porém providenciais atitudes das administrações dos órgãos do PJU, reclamadas com boa dose de razão pelos sindicatos, para colocar as servidoras, os servidores, as magistradas e os magistrados em teletrabalho.

Mas com o passar dos dias de quarentena, começa-se a perceber que a burguesia capitalista, com a sua camaleônica capacidade de fazer robustos omeletes com os ovos dos trabalhadores, começa a vislumbrar na implantação massiva do teletrabalho no âmbito do PJU uma ótima oportunidade para engordar-se à custa da mais valia.

Senão vejamos.

Em 28/10/2019 (putz, não tinha outra data?!), o CNJ noticiou em seu sítio matéria exaltando a permissão do teletrabalho internacional aos servidores e servidoras do Poder Judiciário, pontuando que os “tribunais que implantaram o teletrabalho relataram vários pontos positivos da experiência, como, por exemplo, economia com a manutenção dos prédios e com equipamentos de informática, além de aumento na produtividade dos servidores” (https://www.cnj.jus.br/servidores-do-judiciario-poderao-trabalhar-do-exterior/).

Nestes tempos em que os cadáveres provocados pela pandemia já estão na casa dos milhares, a caminho do primeiro milhão, o STJ, sem olvidar-se dos demais órgãos do PJU, regojiza-se da implantação do sistema de trabalho remoto, baseado nos fatos de que “os números demonstram que o tribunal tem mantido a produtividade elevada com o auxílio da tecnologia” - http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/STJ-ultrapassa-80-mil-decisoes-no-periodo-de-atividades-remotas-durante-a-pandemia.aspx -. Em nenhum dos parágrafos cita-se a palavra “servidor”, ou seja, aquele que mesmo não tendo legalmente a prerrogativa de julgar, assumiu corajosamente essa atribuição e vem colaborando efetivamente para a prestação jurisdicional com sensibilidade social, como preconiza a LIDB, art. 5° - “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum” -.

Eureka!! Em tempos de orçamentos limitados por regras (in)constitucionais, uma pandemia vem a calhar no aprofundamento do teletrabalho, como panaceia para a economia com a manutenção dos prédios e com equipamentos de informática. Quanto às servidoras e servidores, bem, aumentam a produtividade e se viram para administrar o caos em suas vidas pessoais.

Será nosso inexorável destino? Penso que não.

O judiciário, não obstante capitalista porque assegura a reprodução da sua ordem (Mascaro, 2018), é dotado de contradições inerentes à sua natureza e finalidade, razão pela qual, vez por outra, contraria os interesses classistas burgueses.

O mesmo CNJ que “regulamentou” o teletrabalho no judiciário, instituiu a Política de Atenção Integral à Saúde de Magistrados e Servidores do Poder Judiciário – Resolução nº 207 de 15/10/2015 -, desta vez, em consonância com o RJU – v. art. 230 da Lei n° 8.112/1990.

Nessa resolução vê-se que um dos objetivos é justamente a “manutenção de meio ambiente de trabalho seguro e saudável”, considerando como ambiente de trabalho o seguinte: “conjunto de bens, instrumentos e meios de natureza material e imaterial, no qual são exercidas atividades laborais. Representa o complexo de fatores que estão presentes no local de trabalho e interagem com os seus agentes”.

Pergunta-se: Em algum desses festivos noticiários dos órgãos do PJU vislumbrou-se alguma preocupação para com o cumprimento desse regulamento do CNJ? E nas sucessivas resoluções acerca da imposição do teletrabalho por força da pandemia, alguma linha acerca disso?

Não se deixem enganar. A sina das trabalhadoras e dos trabalhadores é reivindicar, lutar pelos seus direitos. A coisa não vai vir de mão beijada. A zona de conforto para as administrações dos órgãos do PJU parece estar se estabelecendo com folga.

Urge que os dirigentes sindicais utilizem todos os instrumentos de luta para que a política de atenção integral à saúde em tela saia do campo da retórica e seja materializada em cada um dos lares dos milhares de servidoras e servidores do PJU em teletrabalho, eventual, por conta da pandemia, ou efetivo.

Além disso, necessário instituir um trabalho de inteligência que monitore, dia a dia, os afastamentos e aposentadorias de servidoras e servidores por incapacidade, visando firmar o liame que caracterize essas ocorrências, cada vez mais, como relativas às condições de trabalho, para garantir, quando for o caso, o direito à aposentadoria com proventos integrais.

Caso contrário, só nos restará bater panelas e rezar para que uma intervenção divina torne menos insuportáveis as cada vez mais frequentes crises do modo de produção capitalista.

*Abilio Fernandes das Neves Neto é Analista Judiciário do TRF2.

 

Artigos assinados são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam, necessariamente, as ideias ou opiniões da Fenajufe.

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