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Fundamentos da ocupação no Setor Público: razões de Estado para estabilidade do corpo funcional

 

 

 

Por José Celso Cardoso Jr., Doutor em economia pelo IE-Unicamp, desde 1997 é técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea. Atualmente exerce a função de presidente da Afipea-Sindical

A estabilidade na ocupação remonta a uma época na qual os Estados nacionais, ainda em formação, precisaram, para sua própria existência e perpetuação (isto é, consolidação interna e legitimação externa) transitar da situação de recrutamento mercenário e esporádico para uma situação de recrutamento, remuneração, capacitação e cooperação junto ao seu corpo funcional que, gradativamente, foi deixando de estar submetido exclusivamente às ordens feudais e reais, para assumir, crescentemente, funções estatais permanentes e previsíveis em tarefas ligadas, portanto, às chamadas funções inerentes dos Estados capitalistas modernos e contemporâneos.

Tanto na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) quanto na Constituição Federal Brasileira (1988), o direito ao trabalho digno (ou trabalho decente, conforme a Organização Internacional do Trabalho - OIT), aparece como elemento central e estruturante da sociedade. Neste sentido, ao falarmos do tema emprego público, estamos na realidade falando de parcela não desprezível de postos de trabalho criados por decisão e demanda política do Estado, com vistas tanto a uma ocupação institucional condizente do poder público, como visando ao incremento de uma das capacidades estatais fundamentais na contemporaneidade para a colocação em operação, pelo território nacional, de políticas públicas de vários tipos e abrangências.

Desta feita, o emprego público tende a ser não apenas um emprego de qualidade e dignidade elevadas no espectro total de ocupações em uma sociedade emergente como a brasileira, como ainda se reveste de atribuições e competências algo distintas daquelas que prevalecem no mundo das contratações privadas. De um lado, sendo o Estado o empregador em primeira instância, há obviamente a necessidade de que se cumpram todos os requisitos legais e morais mínimos à contratação e manutenção desses empregos sob sua custódia e gestão. Requisitos esses que dizem respeito, basicamente, às condições gerais de uso (jornada padrão), remuneração (vencimentos equânimes), proteção (saúde, segurança e seguridade nas fases ativa e pós-laboral), representação (sindicalização e demais direitos consagrados pela OIT) e acesso à justiça contra arbitrariedades porventura cometidas pelo Estado-empregador.

De outro lado, há distinções claras relativamente aos empregos do setor privado, dada a natureza pública dessas ocupações que se dão a mando do Estado e a serviço da coletividade, cujo objetivo último não é a produção de lucro, mas sim a produção de bem-estar social. Ou seja, o emprego público não está fundado – conceitual e juridicamente – em relações contratuais tais quais aquelas que tipificam as relações de assalariamento entre trabalhadores e empregadores no mundo privado. Ao contrário, o servidor público estatutário possui uma relação de deveres e direitos com o Estado-empregador (vale dizer: com a própria sociedade), ancorada desde a CF-1988 no chamado Regime Jurídico Único (RJU).

Cabe destacar, em particular, quatro fundamentos históricos do emprego público presentes em maior ou menor medida nos Estados Nacionais contemporâneos, a saber:

1) estabilidade na ocupação (idealmente conquistada por critérios meritocráticos em ambiente geral de homogeneidade econômica, republicanismo político e democracia social) para a proteção contra arbitrariedades cometidas pelo Estado-empregador;

2) remuneração adequada e previsível ao longo do ciclo laboral;

3) qualificação elevada e capacitação permanente no âmbito das funções precípuas dos respectivos cargos e organizações; e

4) cooperação (ao invés da competição) interpessoal e intra/inter organizacional como critério de atuação e método primordial de trabalho no setor público.

A estabilidade na ocupação remonta a uma época na qual os Estados nacionais, ainda em formação, precisaram, para sua própria existência e perpetuação (isto é, consolidação interna e legitimação externa) transitar da situação de recrutamento mercenário e esporádico para uma situação de recrutamento, remuneração, capacitação e cooperação junto ao seu corpo funcional que, gradativamente, foi deixando de estar submetido exclusivamente às ordens feudais e reais, para assumir, crescentemente, funções estatais permanentes e previsíveis em tarefas ligadas, portanto, às chamadas funções inerentes dos Estados capitalistas modernos e contemporâneos.

O inverso disso, ou seja, o receituário liberal-gerencialista em defesa da flexibilidade quantitativa como norma geral, por meio da possibilidade de contratações e demissões rápidas e fáceis no setor público, insere os princípios da rotatividade e da insegurança radical não apenas aos servidores que pessoalmente apostaram no emprego público como estratégia e trajetória de realização profissional, mas sobretudo a insegurança da sociedade (e do mercado) na capacidade do Estado em manter a provisão de bens e serviços públicos de forma permanente e previsível ao longo do tempo. Permanência e previsibilidade são duas características fundamentais das políticas públicas e da própria razão de existência e legitimação política do Estado, algo que apenas pode estar garantido por meio da prática da estabilidade do seu corpo funcional, além de outros fatores.

Além desta, outra das razões para a estabilidade relativa dos servidores e do ingresso no setor público se dar crescentemente pelo mérito, mediante concursos públicos e sob a guarida de um regime estatutário e jurídico único, é que assim se evita, justamente, que sob qualquer tipo de comando tirânico ou despótico (ainda que “esclarecido”!), se produza qualquer tipo de partidarização ou aparelhamento absoluto do Estado. No caso brasileiro, sob as regras vigentes desde a CF-1988, há garantia total de pluralidade de formações, vocações e até mesmo de afiliações políticas, partidárias e ideológicas dentro do Estado nacional, bem como garantia plena do exercício de funções movidas pelo interesse público universal e sob controle tanto estatal-burocrático (Lei 8.112 e controles interno e externo dos atos e procedimentos de servidores e organizações) como controle social direto, por meio, por exemplo, da Lei de Acesso a Informações (LAI), entre outros mecanismos.

Além dessas, no campo da transparência e do combate à corrupção – além do empoderamento dos órgãos de fiscalização e controle, que ganharam autonomia operacional –, os governos do PT apoiaram ou sancionaram leis, sem as quais seria impossível identificar, denunciar e punir assaltos aos cofres públicos, assim como realizar operações como a Lava Jato, um consórcio entre Ministério Público Federal, Justiça Federal e Polícia Federal. Estão entre essas leis, todas incorporadas ao ordenamento jurídico nos últimos dez anos, as seguintes:

1) Lei da Transparência (Lei Complementar 131/09, conhecida como Lei Capiberibe);

2) Lei de Captação de Sufrágio, que aceita a evidência do dolo para efeito de cassação de registro e de mandato (Lei 12.034/09);

3) Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/10);

4) Atualização da Lei de Combate à Lavagem de Dinheiro (Lei 12.683/11);

5) Lei de Conflito de Interesses (Lei 12.813/13);

6) Lei de Responsabilização da Pessoa Jurídica, ou Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13);

7) Lei da Delação Premiada, ou a lei que trata de Organizações Criminosas (Lei 12.850/13); e

8) Emenda Constitucional do voto aberto na cassação de mandatos e apreciação de vetos (EC 76/13).

 

 

 

 

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