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Superávit Primário: o debate rebaixado

Por Rodrigo Avila, economista da Auditoria Cidadã da Dívida

Este artigo é de inteira responsabilidade do autor, não sendo esta, necessariamente, a opinião da diretoria da Fenajufe.

Nos últimos dias, tem havido um acalorado debate sobre as contas públicas brasileiras. De um lado, o governo diz que a crise reduziu a arrecadação, e por isso precisa zerar a meta de “superávit primário”, e de outro, o PSDB/DEM alegando que isto é um absurdo, e que isto significaria uma burla à “Lei de Responsabilidade Fiscal” (LRF).

Porém, trata-se de um debate extremamente rebaixado. Infelizmente, a LRF não serve para ordenar os gastos públicos no Brasil, uma vez que ela apenas limita os gastos sociais, não estabelecendo nenhum limite ao gasto responsável pelo verdadeiro rombo nas contas públicas brasileiras: a questionável dívida pública. Neste ano, até 25/10, o pagamento de juros e amortizações da dívida federal já consumiu R$ 910 bilhões, o que representa nada menos que a metade de todos os gastos da União até esta data, conforme mostra o Dividômetro da Auditoria Cidadã da Dívida (www.auditoriacidada.org.br). Esta dívida, repleta de ilegalidades, deveria ser auditada, conforme manda a Constituição de 1988, jamais cumprida.

O Projeto de Lei enviado pelo Executivo ao Congresso não corrige este problema, mas apenas visa zerar (ou tornar levemente negativa) a meta do chamado “superávit primário”, cuja metodologia de cálculo vem do FMI, e serve para ocultar a verdadeira situação orçamentária do país. O cálculo do “superávit primário” envolve apenas uma parcela do orçamento, ou seja, é o resultado da diferença entre as chamadas “receitas primárias” (principalmente os tributos e receitas de privatizações) e as “despesas primárias” (os gastos sociais), para fazer parecer à sociedade que o problema das contas públicas seria um suposto excesso de gastos sociais (por exemplo, as aposentadorias, pensões, etc), ocultando completamente os gastos com a dívida.

Porém, existe uma outra parcela do orçamento federal que é simplesmente desprezada pelo cálculo do “superávit primário”, para que fique eternamente obscura e sem limite, sem discussão alguma pela população. Esta “parte escura do orçamento”, de várias centenas de bilhões de reais, é financiada pelas receitas “não-primárias”, ou seja, a emissão de novos títulos da dívida, o recebimento de juros e amortizações das dívidas de estados e municípios com a União, os eventuais lucros do Banco Central, e até mesmo o rendimento da Conta Única do Tesouro, dentre outras. Estas receitas “não-primárias” servem principalmente para viabilizar o pagamento da dívida pública, e não são sequer arranhadas pelo Projeto de Lei do Poder Executivo.

Em 2013, o “superávit primário” correspondeu a apenas 10% dos gastos com juros e amortizações da questionável dívida pública federal, sendo que a ampla maioria desses gastos foi proveniente do “lado escuro do orçamento”, que se manterá intocável com o Projeto de Lei. Na realidade, quando se estabelece uma meta de “superávit primário” (ainda que ela seja de zero, ou levemente negativa, como propõe o novo Projeto de Lei do Poder Executivo)  isso serve, na verdade, para que estas outras receitas do “lado escuro do orçamento” sejam direcionadas principalmente para o pagamento da dívida. Isto porque, se tais receitas fossem direcionadas para gastos sociais, isso aumentaria as chamadas “despesas primárias”, violando a meta de superávit.

Portanto, nenhum dos lados envolvidos neste debate enfrenta o verdadeiro problema das contas públicas brasileiras: a dívida pública, que conforme já apontado por várias comissões do Congresso Nacional, possui diversos indícios de ilegalidades, tais como: falta de documentos; renúncia à soberania nacional; aplicação de juros sobre juros; sobre-preço de até 70% no pagamento antecipado de títulos da dívida externa; realização de reuniões trimestrais de membros do COPOM com banqueiros para estimar variáveis (como inflação e juros) que depois são utilizadas pelo próprio COPOM na definição das taxas de juros; dentre muitos outros.

Para verdadeiramente resolver o problema das contas públicas, e ter “responsabilidade fiscal” é preciso fazer a auditoria da dívida pública.

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