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Chega de jogar a culpa na economia – Revisão Salarial Já!

Por Alan da Costa Macedo, Coordenador Geral do Sitraemg, Bacharel em Direito pela UFJF; Pós Graduado em Direito Constitucional, Processual, Previdenciário e Penal; Servidor da Justiça Federal, lotado na 5ª Vara da Subseção Judiciária de Juiz de Fora-MG.

Este artigo é de inteira responsabilidade do autor, não sendo esta necessariamente a opinião da diretoria da Fenajufe

 

            Quando comecei a ler uma matéria jornalística no Jornal Tribuna do Norte, fiquei bem perplexo com o conteúdo de eventuais declarações da Presidente Dilma Rousseff. Vejam o que ela teria dito[1]:

 

“O Brasil ainda sofre as conseqüências da crise econômica internacional, mas elas não recaíram nem sobre o emprego nem sobre os salários. Em minha gestão, foram criados 5,4 milhões de postos de trabalho e “eles”, da oposição defendem o combate à crise por meio do “tarifaço”, da elevação de impostos, do aumento do desemprego e do arrocho salarial. “Nós não enfrentamos a crise pelo método tradicional”, disse.

           

            Ora, nós servidores do Judiciário Federal sabemos que isso é uma grande mentira. A última desculpa dada pela Presidente Dilma para não conceder a revisão salarial com base nas perdas inflacionárias foi justamente a crise econômica mundial, o que achatou o nosso salário e aumentou o abismo entre as remunerações pagas ao Legislativo e Executivo.

            Como agora vem dizer que a crise internacional não recaiu sobre os salários?

            Esse governo tem uma retórica bem dissonante do que na prática realiza. Vive tentando enganar a população quanto aos verdadeiros motivos de passar a conta da sua má administração orçamentária para o bolso do trabalhador.

 Para parte da sociedade, afirma que o Brasil está em pleno crescimento e estimula o consumo, concedendo incentivos fiscais, como a isenção do IPI. Com isso, deixa de receber milhões em impostos, agradando parte do eleitorado e dizendo estar impulsionando a economia.

Na outra frente, quando se trata dos servidores em greve, o governo diz que não pode conceder o reajuste salarial reivindicado por causa da crise econômica mundial. Alega, com a mesma retórica tucana, que o aumento nos gastos públicos pode quebrar a economia brasileira.

Na verdade os argumentos do governo federal têm a ver com suas prioridades, estas nem sempre as mesmas da sociedade como um todo.

Políticas populistas e assistencialistas como método de “compra legal de votos” fazem com que o Partido que se fundou com base na defesa do “ trabalhador” , jogue todas as contas das crises justamente nos seus bolsos e se perpetue no poder.

O mais incrível é que parte dos nossos representantes, muitos até de boa-fé, mas enganados, reafirmam o discurso, dizendo que a economia é o grande entrave à aplicação do direito da forma que deveria.

No último dia 15 de setembro, em reunião com o Diretor Geral do Supremo Tribunal Federal, quando indaguei sobre a questão do “Direito a Data-base, dizendo que, se o STF se posicionasse quanto a obrigatoriedade da Revisão Geral Anual, acabar-se-ia com essa “humilhação” de tempos em tempos de ter que ficar implorando um acordo entre Judiciário e Executivo, o Diretor do Supremo disse que esse assunto é muito complexo, que envolve antagonismo entre Direito e Economia e que o impacto financeiro da revisão geral anual gera um efeito cascata e eventualmente indexação.

Ora, na mesma oportunidade tive que retrucá-lo dizendo: “não aceito esse argumento, uma vez que o Executivo gere o orçamento mitigando direitos constitucionais fundamentais em favor de políticas nada fundamentais e depois alega o princípio da reserva do possível. Trata-se de ponderação de bens jurídicos a serem devidamente valorados. O reajuste salarial acompanhando a inflação é direito fundamental intrínseco à dignidade da pessoa humana e não pode ser mitigado por princípios econômicos, quando o Estado gere mal o dinheiro que tem, optando por políticas econômicas em favor de “patrocinadores de suas campanhas” e sua “perpetuação no poder”.

Disse ainda que: “os votos do ministro Marco Aurélio deviam ser lidos à sociedade para que formassem sua própria opinião sobre quem julga em favor da verdade ou quem julga em favor dos interesses “escusosdo Estado. Já li diversos julgados do STF que consolidam a prevalência da dignidade da pessoa humana sobre princípios econômicos, tais como a “reserva do possível”.

Na ocasião, o diretor do Supremo se comprometeu a levar tal questão à Presidência do STF e ficou consignado que é necessária audiência pública sobre o tema, além de compromisso do STF com o cumprimento do que está claramente entendido na constituição sobre o Direito à revisão Geral Anual.

Realmente, é muito fácil a um Poder do Estado Federativo descumprir um ordenamento constitucional alegando genericamente ( sem provar) que há problemas econômicos ( impacto orçamentário, efeito cascata, indexação etc.) que não permitem o cumprimento dos direitos mais básicos de um Estado Democrático de Direito.

Como já bem consignou o Ministro Marco Aurélio em seu voto nos autos do RE 565.089 São Paulo:

... A função precípua do Tribunal Constitucional é a guarda da Lei Maior, cujo artigo 102, cabeça, confirma, textualmente, o que asseverei. Incumbe ao Supremo zelar para que o principal documento normativo do Estado não seja esvaziado por conduta omissiva ou comissiva dos agentes públicos, em especial dos agentes políticos e órgãos de estatura constitucional, como é o caso dos ocupantes dos Poderes Executivo e Legislativo.” ( grifei)

 

Ainda naquele voto, consignou o eminente Ministro acerca de trecho de decisão do Ministro Celso de Mello:

 

Conforme ressaltado pelo Ministro Celso de Mello no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.458-7/DF, há de buscar-se a concretude, a eficácia maior, dos ditames constitucionais.

Com a propriedade decorrente da formação profissional e humanística possuída, Sua Excelência fez ver:

 

A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.

(...)

É preciso proclamar que as Constituições consubstanciam ordens normativas cuja eficácia, autoridade e valor não podem ser afetados ou inibidos pela voluntária inação ou por ação insuficiente das instituições estatais. Não se pode tolerar que os órgãos do Poder Público, descumprindo, por inércia e omissão, o dever de emanação normativa que lhes foi imposto, infrinjam, com esse comportamento negativo, a própria autoridade da Constituição e efetuem, em conseqüência, o conteúdo eficácial dos preceitos que compõem a estrutura normativa da Lei Maior.” ( grifei)

 

Na visão muito lúcida e coerente do Ministro Marco Aurélio, a equação assegurada nos incisos X e XV do artigo 37 da Carta de 1988, os quais prevêem a obrigação de revisão geral e a irredutibilidade dos vencimentos e subsídios dos ocupantes de cargos e empregos públicos deve resguardar os vencimentos dos efeitos nefastos da inflação.

Como muito bem colocado em seu voto, o eloqüente Ministro do STF, em interpretação teleológica disse:

 

“Se verificarmos a justificativa enviada pelo Dr. Clóvis de Barros Carvalho, então Chefe daCasa Civil, junto com a proposta que deu origem à Emenda Constitucional nº 19, veremos que uma das facetas da denominada reforma administrativa foi precisamente promover a modificação de paradigma relativamente ao tratamento do servidor público. Esclareceu Sua Excelência os seguintes objetivos da proposta: “recuperar o respeito e a imagem do servidor público perante a sociedade; estimular o desenvolvimento profissional dos servidores e; por fim, melhorar as condições de trabalho”. Vê-se, então, que a reforma administrativa veio para melhorar as condições do servidor. Esse é o parâmetro a nortear a interpretação do artigo 37, inciso X, da Constituição Federal de 1988. O servidor público, em sentido amplo, não tem o mesmo poder de barganha dos trabalhadores em geral. A greve no serviço público até hoje não foi regulamentada via legislativa, tendo sido objeto da integração mediante mandado de injunção. Nas relações jurídico-privadas, as greves têm por efeito a suspensão do contrato de trabalho, presente o artigo 7º da Lei nº 7.783/89, causando prejuízos às duas partes envolvidas na relação de emprego: os trabalhadores acabam privados da remuneração e o empregador fica sem a produção relativa à paralisação. É da natureza da suspensão a ausência do trabalho e do salário, cabendo aos interessados promover a composição, vedada a dispensa arbitrária – parágrafo único do artigo 7º da Lei nº 7.783/89. O servidor público, integrando o gênero burocracia, ao contrário, não causa prejuízo ao tomador dos serviços ao deixar de prestar o serviço, ficando reduzida a efetividade da greve enquanto instrumento de negociação. Ressalvado o prejuízo indireto, político-eleitoral, o verdadeiro prejudicado com a paralisação da máquina administrativa é o administrado. Daí a importância da garantia constitucional. Essa se revela na leitura teleológica que faço do artigo 37, inciso X, da Constituição, do qual extraio o direito à manutenção dos patamares remuneratórios.” (grifei)

Há bem pouco tempo, a Auditoria Cidadã da Dívida publicou comparativos das previsões orçamentárias da União. Enquanto o governo gasta 47,19% do PIB com os juros e as amortizações da dívida pública, fiquem atentos: o governo gasta 3,18% com a educação e 3,98% com a saúde. Por isso o judiciário está caindo aos pedaços, não se investe em “justiça”, muito menos na carreira e nos salários de seus profissionais. Ora, se o maior réu no Judiciário é o próprio Estado Administrador, para que lhe interessa valorizar o Judiciário?

Reflitam, colegas. Não devemos mais aceitar essa genérica desculpa. Já vi, muitas vezes, o Executivo, de mãos dadas com o Legislativo alegar crise econômica para arrocho salarial e, na calada da noite, nas viradas do ano, aprovarem seus próprios aumentos acima da Inflação.

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