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As urnas eletrônicas e o joypad que não funciona

Por Marcello Hameister, Analista Judiciário, Chefe de Cartório da 149ª ZE/Igrejinha/RS, Especialista em Direito Eleitoral

Este artigo é de inteira responsabilidade do autor, não sendo esta necessariamente a opinião da diretoria da Fenajufe

Requenta-se a cada eleição as notícias de que é possível fraudar eletronicamente as eleições e as urnas eletrônicas, em geral publicando-se ou republicando-se boatos ou notícias falsas - ou sem seriedade nenhuma, por mais que repercutidas na imprensa, da grande à imprensa nanica. Não consigo deixar de fazer uma analogia: a maioria dos candidatos perde (embora a maioria dos eleitores ganhem) e seus apoiadores fazem parecido com meus filhos depois de uma derrota em um videogame. Botam a culpa no joypad.

A mais divulgada de todas, de um jovem hacker que conseguiu mudar os resultados das eleições de Volta Redonda a soldo de alguns candidatos, está novamente na moda. Vamos analisar a questão da segurança do processo de votação eletrônico no Brasil, sua evolução e o estágio atual.

As primeiras eleições utilizando-se urnas eletrônicas foi em 1996, nas capitais. Foi um primeiro teste que deu certo, ainda que o processo de construção das urnas tivesse um elemento que foi considerado prejudicial (o que não concordo, falarei sobre isso mais tarde). Fazia a impressão do voto, que depois caía em uma urna física, possibilitando a recontagem. Nas urnas seguintes, esta impressão foi retirada com argumentos técnicos. O maior número de problemas no dia da votação era ocasionado por falhas nestas impressoras.

Já em 1998, a urna eletrônica, fisicamente, alcançou praticamente o estado da arte, sofrendo poucas alterações desde então. A maior, já testada, mas ainda em implementação, é a assinatura biométrica do eleitor para liberar a votação através de sua digital.

FRAUDAR A URNA. POR ONDE, CÁRA-PÁLIDA?

Já vi muitas vezes o argumento falso: "Se os hackers fraudam bancos, como que a urna poderia ser mais segura?" Ora, diferente de bancos e seus caixas eletrônicos, a principal característica da urna eletrônica não é ser um equipamento ultra-moderno. É não estar conectada a NADA. Para haver uma fraude realizada por intervenção externa no equipamento, seria necessário conseguir acessá-la pela única conexão que tem com o mundo: a tomada elétrica. Isto, sem mais argumentos, deixo para os filmes de ficção. A urna não trabalha em rede, não tem wi-fi, todas as portas de acesso físico estão lacradas. Os dados são gravados simultaneamente em duas memórias diferentes (uma interna, inacessível, e outra, lacrada, que é utilizada em caso de defeito na gravação de dados, que só pode ser aberta com a autorização expressa do Juiz Eleitoral). Não há portas USB acessíveis. O teclado é fixado na urna, não podendo ser trocado sem desmontá-la. Pergunto de novo. Por onde, cara-pálida?

ENTÃO A FRAUDE ESTÁ NOS PROGRAMAS!

No início das urnas eletrônicas, os programas consistiam em caixas-pretas, somente conhecidos do TSE e das agências governamentais e profissionais envolvidos na sua construção. Isso gerava uma grande desconfiança. Profissionais de informática (e eu estava entre eles à época) reivindicavam acesso aos programas-fonte para que se pudesse saber o que realmente ocorria dentro das urnas. O impressionante é que esse acesso foi dado! Os programas fonte são acessíveis aos partidos políticos, OAB, Ministério Público. O processo de transformá-los em programas executáveis é feito em cerimônia oficial em Brasília. Os fontes e cópia dos executáveis são colocados em um cofre lacrado. Nenhuma alteração pode ser feita após este momento. Os partidos recebem uma assinatura digital (hash) correspondente a estes programas e podem conferir em qualquer urna eletrônica que os programas que nela estão instalados sãos os mesmos que foram gerados na cerimônia. Para leigos: a chance de eu te pedir para encontrar um grão de areia específico no deserto do Saara e ele ser encontrado é maior do que a de alterar um programa mantendo a mesma assinatura eletrônica. Mude um caractere de um programa, e o hash fica diferente como um mosquito de uma baleia. Depois de instalados os programas nas urnas (iguais em todas as urnas do Brasil), o que elas recebem são apenas bancos de dados: os candidatos, os eleitores.

Na véspera das eleições, aleatoriamente, são sorteadas urnas que são recolhidas aos TREs e substituídas nas seções. Repare: estas urnas estavam em seus locais de votação, prontas, lacradas, à espera dos eleitores. No TRE, com a presença de representantes dos partidos inserem-se votos durante o mesmo momento em que a eleição ocorre. Esses votos são em quantidade sabida para cada candidato. Depois é comparado o número de votos que cada um recebeu com o boletim que a urna imprime. E pasmem: o resultado é o mesmo! E não, a urna não sabe que não está em sua seção com eleitores de verdade. Ela não tem GPS!

ENTÃO É NA TRANSMISSÃO!

Esta é a nova lenda. Um hacker de 19 anos teria fraudado as eleições alterando o resultado das urnas em 2012 em Volta Redonda. Fora os minutos de fama que conseguiu com sua balela, não demonstrou mais nada de útil. Essa notícia correu a imprensa e, repentinamente sumiu.

Como disseram Daniel Wobeto e Luis Fernando Schauren, da Secretaria de Tecnologia da Informação do TRE/RS, "Ele entende de informática e pode ser um hacker mesmo, mas não entende quase nada do processo eleitoral, e foi aí que ele se perdeu nessa mentira. Ele disse, por exemplo, que alterou o resultado da votação depois que os votos foram recebidos no sistema de totalização do TRE. Ele só esqueceu de explicar como é que os resultados dos boletins de urna, que saem da urna ao término da votação e, consequentemente, antes de serem totalizados, continham exatamente o mesmo resultado de votação que estava no sistema do TRE/RJ depois de ele ter 'alterado' os votos...". É bom lembrar que os partidos políticos recebem cópias destes boletins, antes da transmissão, e qualquer alteração seria vista, já que o resultado é publicado urna por urna.

Houve outras denúncias que são ainda mais risíveis. A melhor foi a do "hacker" de Gravataí que teria a senha do presidente do TRE e poderia alterar os resultados mediante módica quantia. Parece que uns candidatos trouxas perderam seu dinheiro e, é claro, não se elegeram nem registraram queixa.

Há também sempre a denúncia, a cada eleição, de que a pessoa foi votar e não estava na urna o seu candidato, ou "não era a foto dele". A explicação disso é aborrecidamente simples. O eleitor digitou o número errado; ou o candidato foi mudado pelo partido depois de encerrada a alimentação de dados nas urnas, aí o número está certo, mas o candidato é realmente outro; ou ainda, a candidatura foi cassada, aí ele não está na urna mesmo! Uma complexa conspiração para roubar votos que muda a foto do candidato pressupõe conspiradores mais burros que os cronistas que propagam as "denúncias".

O EXCESSO DE CONFIANÇA DOS PARTIDOS NO PROCESSO ELEITORAL

Todos, absolutamente todos, procedimentos relativos às urnas eletrônicas e às eleições são realizados em cerimônias abertas, anunciadas por editais, permitida a presença e auditoria dos procedimentos pelos partidos, OAB e Ministério Público. A imprensa, caso queira, sinta-se convidada. Infelizmente, pouquíssimos comparecem a estas cerimônias, conferem a autenticidade dos programas e das ações dos servidores da Justiça Eleitoral, ajudando a tornar pública a sua legitimidade e confiabilidade. É aqui que falo da impressão do voto. Eu acharia bom, não por necessário, mas para tirar os últimos resquícios de desconfiança de quem não entende nada do que ocorre.

Então, feitas as eleições, vem a chorumela e o boato (perder é duro, buscar culpa no outro é fácil). E o mais tétrico: muitos desses boatos vem das mesmas fontes que há pouco defendiam a repetição do golpe militar de 64 para "garantir a vontade do povo". A vontade do povo expressa-se nas eleições. Não gostar da decisão não torna esta vontade menos legítima. Chore, seque as lágrimas, e organize-se melhor para as próximas. Sinto muito.

A CORRUPÇÃO ELEITORAL ESTÁ LÁ FORA!

Já ouvi, também, que basta um servidor corrupto da Justiça Eleitoral para que se fraude o processo. Embora desconheça qualquer colega que esteja à venda, se houver, nenhum funcionário da Justiça Eleitoral tem um acesso de tal forma privilegiado a qualquer sistema que permita que ele possa alterar uma eleição. Não o servidor comum, nem o chefe do cartório eleitoral, o coordenador de informática do TSE. Ninguém. Todo trabalho é em equipe e ninguém domina todo processo. Nem o presidente do TSE, com todas suas senhas, é capaz de interferir no funcionamento dos sistemas e alterar qualquer resultado. Inferências deste tipo, além de caluniosas, são atestado de ignorância.

O maior mal que atinge o processo eleitoral, ainda é a compra de votos. Agora, se um candidato compra votos, é porque há eleitores que os vendem, não interessa se por necessidade (?) ou oportunismo. Toda corrupção, a eleitoral inclusive, é um crime com no mínimo dois culpados e milhões de vítimas. Sempre.

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