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Carreiras exclusivas do STF e Tribunais Superiores

Por João Batista, presidente do Sinjufego e coordenador da Fenajufe

Este artigo é de inteira responsabilidade do autor, não sendo esta necessariamente a opinião da diretoria da Fenajufe

“Se começar a pular fora todo mundo, vamos puxar a sardinha pro nosso lado também”, fala de um dirigente da admisitração do TSE.

A escultura que fica na entrada do prédio do Supremo representa a igualdade de condições entre as partes. Mas no momento esse símbolo da Justiça, no melhor exemplo de dois pesos e duas medidas, parece estar com um dos olhos aberto para a carreira própria dos servidores do STF e outro fechado para a base larga da pirâmide funcional do Poder Judiciário da União.

Deve ser respeitado o direito de se propor carreira exclusiva, assim como deve ser respeitado o direito de se contrapor a essa mesma proposta. O fato do servidor pertencer a um Tribunal Superior não quer dizer que ele seja funcionalmente superior, por exemplo, ao seu colega lotado no Tribunal Regional Federal. Parece básico, mas uma coisa é o grau superior de jurisdição de um Tribunal, outra coisa é a estratificação una da carreira de um mesmo segmento. As necessidades dos servidores das Cortes Superiores de Brasília são as mesmas dos servidores lotados nos Tribunais Regionais.

Espera-se que os servidores do Supremo e dos Tribunais Superiores façam greves para forçar a aprovação de seus projetos de carreira, pois historicamente nunca se conquistou PCS sem forte mobilização. A outra parte dos servidores, sentindo-se excluídos, também fará suas greves para reivindicar o mesmo tratamento salarial. Prevê uma difícil batalha no Congresso para ambos os lados.

É bom não esquecer que os reajustes salariais da Magistratura Federal são puxados pela luta conjunta dos servidores. O exemplo mais recente disso é que não avançou o projeto do presidente do Supremo de reajustar tão-somente o subsídio dos magistrados, os servidores se indignaram porque a justificação do projeto dos juízes faz parte de uma luta histórica da categoria que é a da reposição anual das perdas salariais.

Nesse caso emblemático acima, o presidente do Supremo admitiu com todas as letras que só os juízes sofrem com os efeitos da inflação, por certo os servidores não comem, não pagam aluguel e não ficam doentes. Esse é o tratamento discriminatório que se pretende transferir para uma eventual proposta de carreira exclusiva nos Tribunais Superiores, privilegiando a cúpula em detrimento da outra massa funcional?

O Parlamento tem atualmente observado a visão de conjunto do Judiciário da União, incluindo juízes e servidores nos reajustes salariais. Com acerto os congressistas não veem os julgadores como únicos atores do Poder Judiciário da União. Obviamente os parlamentares sofrerão pressão contrária na tramitação de projetos que diferenciem reajustes salariais para servidores de idênticas atribuições.

Há um equívoco achar que o STF e os Tribunais Superiores podem ser considerados Tribunais apartados da estrutura dos demais órgãos. O PJU é uma locomotiva harmônica na qual os Tribunais Superiores dirigem as outras composições, essa organização sistêmica começa pelo comando irradiador do artigo 2º da CF/88 espalhando-se pelos artigos 61, 96 e 99.

Ora, se é para separar, que então estabeleçam condições para que os Tribunais considerados inferiores, do ponto de vista jurisdicional, possam fazer o mesmo, conferindo-lhes constitucionalmente prerrogativa legislativa para proporem seus próprios projetos diretamente no Congresso Nacional.

As Justiças Federal, Trabalhista, Militar e Eleitoral fazem parte do Poder Judiciário da União, cabendo aos órgãos de cúpula de cada Ramo a iniciativa de lei para instaurar o processo legislativo, conforme dispõe o art. 61 da Carta Magna:

A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.(grifei)

Desse dispositivo extrai-se que os Tribunais Regionais da Justiça Eleitoral, Trabalhista e Federal não possuem iniciativa de lei, ficando reféns, à mercê da boa vontade dos Tribunais Superiores (TSE, TST e STJ) para o encaminhamento de seus respectivos projetos. Na questão de carreira exclusiva, os Tribunais Superiores podem estar se valendo de uma facilidade, de um atalho constitucional que os demais Tribunais Regionais não possuem.

A visão de conjunto entre os ramos do Judiciário da União é observada também no momento da proposta orçamentária que é assinada coletivamente pelos presidentes das cúpulas dos Tribunais integrantes do PJU, assim está previsto no art. 99 da Constituição:

1º - Os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias.

§ 2º - O encaminhamento da proposta, ouvidos os outros tribunais interessados, compete:

I - no âmbito da União, aos Presidentes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, com a aprovação dos respectivos tribunais; (grifei)

Essa onda separatista de Brasília de querer se desgarrar do restante do Judiciário da União, principalmente da sua grande base, sinaliza que o Poder Judiciário da União pode estar tendente a adotar uma política salarial voltada para as Cortes Superiores de Brasília e uma outra para o resto do País.

Esse “resto”, que é quase um todo, tem que ser compreendido como sendo a maioria em termos de número de servidores e de tramitação processual, além de ser a parte mais visível do Judiciário, constituindo o verdadeiro balcão de varejo onde ocorre o contato mais próximo e direto com os jurisdicionados, que é de fato a cara mais expressiva desse Poder da União. É sobre esse contingente expressivo que o CNJ não tira seus olhos vigilantes para o cumprimento de metas.

Tal discussão sobre carreira exclusiva para as Cortes de Brasília vem justamente na contramão da recente Audiência Pública do CNJ de aprimoramento dos serviços da Primeira Instância cuja melhoria passa necessariamente pela valorização salarial dos servidores do 1º Grau, jurisdição que é a base larga da pirâmide do Judiciário.

Na situação hipotética do TSE encaminhar seu próprio projeto, como ficará a situação dos servidores dos Tribunais Regionais Eleitorais que não têm essa iniciativa de lei? Abre-se para o presidente do TSE a opção de subscrever um projeto de reajuste salarial para os servidores da Corte Superior Eleitoral e não mandar absolutamente nada para os servidores dos Regionais Eleitorais.  Como lidará o presidente do TSE com a esperada revolta funcional na base da Justiça Eleitoral? O mesmo raciocínio pode ser aplicado aos projetos de carreira exclusiva do STJ e TST.

A restrição legislativa aos Tribunais Regionais é reafirmada mais à frente no art. 96:

Compete privativamente:

II - ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169:

b) a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver;(grifei)

São aguardados naturais embates tanto no âmbito do Judiciário da União quanto no Congresso caso o Supremo encaminhe projeto reajustando, por exemplo, em 50% a remuneração dos seus próprios servidores e dando 0% de aumento para os servidores da Justiça Trabalhista, Federal, Eleitoral e Militar.

Com a fragmentação da carreira, é preciso fazer cuidadosa análise constitucional, legal e administrativa sobre os impactos que provocarão na estrutura do PJU com as propostas de PCS específico.

Questiona-se: o Supremo e os Tribunais Superiores com suas carreiras próprias continuarão fazendo parte do Poder Judiciário da União?

Farão eles parte de um Poder paralelo, algo como Poder Judiciário do Supremo Tribunal Federal, Poder Judiciário do STJ?

Os servidores do STF e Tribunais Superiores sairão da Lei 11.416/2006, estatuto que disciplina a carreira dos servidores do PJU?

Em se tratando de encaminhamento de projetos de reajuste salarial, o presidente do STF  e dos Tribunais Superiores continuarão exercendo uma dupla gerência: chefe das Cortes Superiores e chefe dos demais Regionais?

Constrangedor para o presidente do STF, que é também presidente do CNJ, ter que despachar em dois órgãos com servidores recebendo salários diferenciados. E como cobrar da base da pirâmide do Judiciário da União o cumprimento de metas se o vértice tem tratamento diferenciado?

Não se pode trazer para a estrutura do PJU uma relação salarial de apartheid funcional, algo que não condiz com a justiça que deve imperar nos Tribunais. Com a proposta de esfacelamento e consequente perda de poder, resta saber como o presidente do Supremo vai contornar a revolta do baixo clero.

O momento é de reunir forças, justamente nas crises é que se espera serenidade e responsabilidade dos dirigentes do Judiciário. Sobretudo, espera-se que o mesmo pulso forte nos julgamentos seja também utilizado na defesa intransigente da autonomia orçamentária para que, assim, seja mantida a integridade funcional do PJU.

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